11 de dezembro de 2016

House of Games


O filme Hitchcock/Truffaut, pelo qual o Cinéfilo Preguiçoso esperou e desesperou, estreou finalmente em Portugal, ao fim de múltiplos adiamentos. Ainda assim, há muitas razões para valorizar o DVD, uma das maiores invenções da humanidade. Nesta semana, a escolha recaiu sobre House of Games (1987), de David Mamet. A personagem principal deste filme, Margaret (Lindsay Crouse), é uma psicanalista que escreveu um livro de sucesso sobre comportamentos obsessivos e compulsivos. Ao tentar ajudar um dos seus doentes, envolve-se com um grupo de vigaristas liderados por Mike (Joe Mantegna) que estabelecem com ela uma cumplicidade ilusória com o objectivo de lhe extorquirem somas de dinheiro consideráveis. A maneira como Margaret reage quando percebe ter sido ludibriada é radical mas perfeitamente coerente com a ideia central do filme: a incompatibilidade entre o feitio compulsivo da protagonista e o talento para a dissimulação que caracteriza os con artists. House of Games pode também ser visto como a trajectória de auto-afirmação de uma mulher que enfrenta problemas e traumas que nunca são revelados. Essa auto-afirmação adquire contornos rigorosamente amorais – aliás, a moral está completamente ausente deste filme: o interesse e a autopreservação são as forças dominantes, sendo irónico constatar que o único acto altruísta (a tentativa de prestar auxílio a um doente) é precisamente aquele que precipita os acontecimentos, constituindo a força motriz do filme. Visto hoje, em comparação com obras do mesmo realizador como A Prisioneira Espanhola (1997) ou Heist (2001), House of Games pode deixar o espectador com a impressão de já ter visto estes mesmos truques, mas praticados com maior sofisticação. Esta primeira longa-metragem de Mamet pode parecer esparsa e contida, mas é precisamente essa contenção que permite realçar o conteúdo humano das personagens e confere maior poder à história. Crouse e Mantegna assimilam na perfeição o estilo de representação directo e no-nonsense defendido e praticado por Mamet, por detrás do qual se dissimula um trabalho subtil e rigoroso com a linguagem. Mantegna, um actor brilhante mas algo subaproveitado, tem aqui uma das suas muitas colaborações com Mamet, no cinema e no teatro. Quanto a Crouse, a sua interpretação leva a pensar que mereceria mais oportunidades e maior visibilidade numa carreira que, apesar de tudo, conta já com uma nomeação para os Óscares (em 1985 – perdeu para Peggy Ashcroft).