9 de abril de 2017

The Spanish Prisoner


The Spanish Prisoner (1997), quinta longa-metragem realizada por David Mamet, explora os temas do conto do vigário e do embuste tão caros a este dramaturgo e cineasta. Longe das ramificações psicológicas de House of Games (1987), por exemplo, este filme incide sobre os mecanismos do engano e da maquinação, representados por personagens que nunca são aquilo que parecem e que envolvem o protagonista, Joe Ross (Campbell Scott), numa teia de pistas falsas, manipulando-o para seguir um guião perverso e previsto ao milímetro. À boa maneira do McGuffin hitchcockiano, o motor da narrativa é insignificante, sendo mencionado em termos vagos: sabe-se apenas que Ross inventou um «processo» industrial que poderá valer uma fortuna e cuja fórmula foi registada num caderno de capa vermelha que ele guarda ciosamente. Todo o filme, ao longo do qual Ross vai tentando distinguir aqueles que estão do seu lado daqueles que tentam roubar o «processo» (ou seja, quase todas as outras personagens), acaba por ser uma longa exposição do método mametiano, que se caracteriza tanto por diálogos aparentemente simples mas minuciosamente trabalhados, com predomínio de expressões codificadas e ambiguidades de sentido, como por um questionamento permanente sobre a identidade e sobre a fiabilidade dos símbolos (a este respeito, repare-se na saturação de mensagens visuais e verbais, quase todas enganadoras ou irrelevantes). O próprio título do filme faz lembrar um con man a tentar distrair o público: a fraude conhecida como «prisioneiro espanhol», descrita em detalhe por um agente do FBI (falso, como é óbvio), nada tem a ver com os truques de que Ross é vítima. Como sempre acontece nos filmes de Mamet, impõe-se uma referência ao elenco: Steve Martin (um actor predominantemente cómico que se sai soberbamente em papéis dramáticos, na linhagem de Steve Carell ou Danny DeVito, por exemplo); Rebecca Pidgeon, talvez a actriz mametiana por excelência, um prodígio de falsa ingenuidade; Ben Gazzara, a quem basta aparecer para roubar qualquer cena; e o imprescindível Ricky Jay, um daqueles secundários sem o qual o cinema norte-americano seria tão diferente, para pior. A banda sonora original de Carter Burwell, colaborador habitual dos irmãos Coen, também é digna de nota. Pode argumentar-se que David Mamet é acima de tudo um dramaturgo e que o seu trabalho no cinema constitui um mero prolongamento dessa actividade. The Spanish Prisoner, contudo, é um argumento forte a favor da necessidade de levar Mamet muito a sério como realizador. Menosprezá-lo seria tão absurdo como excluir da lista de realizadores com interesse nomes como Sacha Guitry ou Marguerite Duras apenas por causa do seu trabalho literário extracinema.

O Cinéfilo Preguiçoso vai agora desfrutar de uma pequena pausa pascal e marca encontro com os seus leitores para daqui a duas semanas.