26 de novembro de 2017

Ball of Fire


O Cinéfilo Preguiçoso, na sua tentativa permanente de conciliar o interesse em acompanhar as novidades e o gosto pelos clássicos e também por recear as multidões associadas à Black Friday, viu esta semana em DVD Ball of Fire (1941), de Howard Hawks. Este filme é uma mistura de várias ideias: uma história romântica improvável entre um professor universitário, Bertram Potts (Gary Cooper) e Sugarpuss O’Shea (Barbara Stanwyck), a namorada de um gangster; a oposição entre o conhecimento académico e os saberes empíricos adquiridos no mundo real; uma paródia da história da Branca de Neve e os Sete Anões; e uma reflexão, breve mas intensa, sobre os aspectos mais melancólicos e agridoces do amor. O filme ressente-se da falta de coesão entre estes elementos. O conflito entre a erudição do professor Potts e dos seus companheiros, empenhados em redigir uma enciclopédia universal, e a espontaneidade desbocada de Sugarpuss origina momentos hilariantes mas é um tema pouco original, e as sequências que envolvem gangsters são pouco mais do que caricaturais. Ball of Fire parece um mostruário da versatilidade de Hawks, mas fica-se com a impressão de que todos os registos que nele coexistem foram explorados por este realizador de maneira mais feliz e aprofundada em numerosos filmes, antes e depois deste. Aliás, é apropriado assinalar que este filme surge na sequência de duas comédias screwball (Bringing Up Baby, de 1938, e His Girl Friday, de 1940) que ainda hoje são recordadas como pontos altos da carreira deste cineasta, e que a Ball of Fire se seguiu um período com predominância de filmes de guerra, westerns e filmes noir. O filme vale pela dimensão linguística do abismo entre Potts e Sugarpuss (a exploração do atrito entre calão e preciosismo gramatical é um dos aspectos originais do filme) e por algumas cenas avulsas. Por exemplo: Potts a explicar as suas hesitações sentimentais a Sugarpuss, pensando que se está a dirigir a um colega, num quarto mergulhado na penumbra; o grupo de professores a cantar a cappella a canção Sweet Genevieve em redor de uma mesa, numa cena que parece retirada de um fime de Ozu. Saliente-se ainda o rol de actores secundários (Dana Andrews, Oskar Homolka…) e a presença do director de fotografia Gregg Toland, no mesmo ano da sua participação lendária em Citizen Kane. Reza a história que o co-argumentista Billy Wilder se terá inspirado neste seu trabalho com Hawks para encetar a sua gloriosa carreira de realizador. A menção final não pode deixar de ir para a grande Barbara Stanwyck, cuja mistura patenteada de fragilidade, sensualidade e franqueza torna credível uma personagem eminentemente improvável.