3 de março de 2019

O País das Maravilhas | Can You Ever Forgive Me?


Esta semana o Cinéfilo Preguiçoso viu dois filmes, um italiano e outro americano. O interesse suscitado por Feliz como Lázaro (2018), de Alice Rohrwacher, levou-o a procurar em DVD um filme da mesma realizadora intitulado O País das Maravilhas (2014). Merecidamente distinguido com o Grande Prémio da edição de 2014 do Festival de Cannes, O País das Maravilhas conta a história de uma família de apicultores com um modo de vida próximo da natureza, na antiga região da Etrúria (que actualmente corresponde às zonas da Toscânia, do Lácio e da Úmbria). A atenção da realizadora não contorna as dificuldades do trabalho desta família em que todos os membros, mesmo os mais novos, sob comando de um pai ríspido e autoritário, têm de trabalhar, em detrimento dos passatempos e interesses típicos da infância e do início da adolescência. O olhar sobre o esforço físico e as actividades relacionadas com a apicultura é enquadrado, por um lado, pelas cores frias e ácidas da paisagem, por outro, pelas diferentes camadas temporais deste espaço específico e da Itália em geral, com todo o folclore televisivo e turístico que a caracteriza. Como acontece em Feliz como Lázaro, Alice Rohrwacher, realizadora admirável tanto pelo pensamento como pelas imagens, consegue fazer um filme belíssimo e quase fantasmagórico, situado numa dimensão temporal dúbia, mais próxima da fluidez da memória.  Apesar de não escamotear os aspectos mais concretos e duros dos assuntos abordados, consegue captar as suas características mais poéticas e inesperadas: a presença constante das abelhas, o mel a transbordar de um balde e a inundar as lajes do chão, uma tarde passada no lago, a defesa das colmeias contra o vento, a presença estranha de um camelo. Do filme Can You Ever Forgive Me? – Memórias de Uma Falsificadora Literária (2018), de Marielle Heller, visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, falou-se um pouco por altura dos Óscares, visto que Melissa McCarthy recebeu uma nomeação (justa) para melhor actriz principal. O que atraiu o Cinéfilo Preguiçoso foi o facto de este filme se basear numa autobiografia de Lee Israel, que descreve o período em que esta escritora, em pleno bloqueio literário, se dedica ao negócio da falsificação de cartas de escritores famosos para conseguir sobreviver. Can You Ever Forgive Me? começa bem, parecendo preparar-se para decorrer ironicamente no meio literário, sob o signo da comédia romântica – apesar de os protagonistas serem uma mulher e um homem homossexuais , com banda sonora típica, entre jantares de escritores, livrarias, coleccionadores e Nova Iorque à noite. A dada altura, no entanto, fica-se com a sensação de que o filme, assustado com a sua própria invulgaridade, decide transformar-se num dramalhão insuportável por não querer confundir os espectadores e/ou falhar comercialmente, assim desperdiçando um tema riquíssimo e aquilo que se imagina ser o sentido de humor da protagonista.