14 de junho de 2020

A Grande Beleza


Visto esta semana num canal de televisão, A Grande Beleza (2013) foi o filme que consolidou a reputação do realizador napolitano Paolo Sorrentino, arrecadando os prémios de melhor filme estrangeiro desse ano na esfera anglo-saxónica: Óscar, Globo de Ouro e BAFTA. A personagem principal, Jep (Toni Servillo), é um escritor que, muitos anos depois de publicar o seu único romance, vive uma existência mundana e trabalha como jornalista e crítico. O filme mostra as festas e os eventos sociais que Jep frequenta, acompanhando as suas interacções com uma galeria de personagens vagamente ridículas e excêntricas mas com algo de trágico e de inadaptado. O parentesco artístico com Fellini é mais do que evidente: sem nunca recorrer à citação directa, Sorrentino filma cenas que poderiam fazer parte de um eventual remake de La Dolce Vita (1960), (1963) ou Roma (1972): a futilidade dos rituais da alta sociedade, o bloqueio criativo, a revisitação da infância, a omnipresença dos cenários urbanos e dos vestígios da Roma imperial atravessam o filme do princípio ao fim. Marcel Proust, mencionado ironicamente mais do que uma vez nos diálogos, é também uma influência poderosa: à maneira do narrador da Recherche, Jep entrega-se deliberadamente à mundanidade, mas alimenta a ambição suprema da escrita, parecendo esperar uma revelação (a “Grande Beleza” do título) que sirva de impulso para converter em literatura as suas experiências e impressões. À falta de um enredo, o filme progride ao sabor das festas nocturnas e dos momentos que a elas sucedem, matinais e melancólicos, passados em ambiente doméstico ou em ruas desertas ladeadas por monumentos. As melhores sequências de A Grande Beleza são aquelas em que Sorrentino se assume como criador de imagens, diálogos e situações dramáticas fugazes ou até gratuitos (como a visita nocturna a alguns palácios de Roma de que uma personagem misteriosa tem a chave). No final, decepciona um pouco a tentação de procurar a quadratura do círculo: reconciliação com os erros do passado, identificação reforçada com a mundanidade e com as incoerências da sociedade, vontade (ambígua) de se libertar do círculo vicioso da existência social, para, finalmente, começar a escrever. A singular personagem de Jep, digna de um Mastroianni sexagenário, merecia uma solução menos forçada e artificial. Fica-se, porém, com a impressão de se ter visto um filme ousado e interessante, mesmo nas suas falhas, que dá vontade de continuar a descobrir a obra de Sorrentino.