A Cinemateca Francesa disponibiliza na plataforma Henri um conjunto interessante de filmes que se podem englobar na difusa categoria “raridades”, e em que se incluem obras de cinematografias pouco conhecidas, filmes antigos e restaurados e curtas e longas-metragens de realizadores menos favorecidos pelos circuitos tradicionais de distribuição e cobertura mediática. Os filmes estão disponíveis gratuitamente, nalguns casos com legendas em inglês: é só clicar e assistir. O Cinéfilo Preguiçoso aproveitou esta excelente iniciativa para descobrir quatro curtas-metragens de Jacques Rozier, considerado um dos últimos representantes da geração da Nouvelle Vague, embora não tenha estado ligado à mítica revista Cahiers du Cinéma, como é também o caso, aliás, de Jean-Marie Straub, ao contrário de Luc Moullet e Jean-Luc Godard, para mencionar outros sobreviventes. Duas das curtas-metragens disponíveis têm precisamente como pretexto a rodagem de um filme de Godard: O Desprezo (1963). Em Paparazzi (1963), Rozier mostra o trabalho dos numerosos fotógrafos que invadiram a ilha de Capri para tentarem captar imagens de Brigitte Bardot, então no auge da sua popularidade. É um filme notável pela maneira como retrata as agruras da vida destes profissionais demonstrando alguma empatia por aqueles que, apesar de perturbarem a actividade da equipa de filmagem, não passam de peões no complexo jogo da produção cinematográfica e da exploração mediática das vedetas. O corpo e o rosto de Bardot serão reproduzidos nos fotogramas do filme, nas fotografias oficiais e nas fotografias clandestinas, captadas à distância e inevitavelmente mais desfocadas: os planos são diferentes, mas o valor pecuniário associado a uma estrela internacional está subjacente a todos estes esforços. Le Parti des Choses (1963), menos conseguido, é um híbrido de making of e reflexão algo superficial sobre o filme de Godard, a que não acrescenta grande coisa. As outras curtas-metragens têm pouco que as aproxime. Dans le Vent (1962) é um ensaio sobre as peculiaridades formais da moda e o seu impacto na vida dos profissionais do ramo e dos cidadãos parisienses comuns, misturando vários registos (documentário, inquérito social, poema visual urbano) de uma forma anárquica, bem servida por uma montagem dinâmica e pela música de Serge Gainsbourg. Blue Jeans (1957), a única destas curtas que possui um esquema narrativo tradicional, mostra-nos dois rapazes empenhados em abordar raparigas nas ruas e praias de Cannes, durante o Verão. É um filme típico da Nouvelle Vague, pela maneira como explora o ar livre, as ruas e os cenários naturais, e também pela impressão de liberdade e improvisação que transmite. Está longe de ser um filme idílico, quer pela insistência nos aspectos socioeconómicos da sedução (a gasolina para a motorizada custa dinheiro, os clubes nocturnos são caros…), quer pelo tédio e cansaço que se instalam no final. Encontra-se o mesmo espírito de ligeireza contaminado por um tom mais sombrio em Adieu Philippine (1962), a primeira longa-metragem de Rozier, marcada pelo fantasma da guerra da Argélia (não está disponível nesta plataforma). Todos estes filmes ilustram bem as principais características deste cineasta: a liberdade, a receptividade ao acaso, o gosto pelo movimento, um sentido de humor cáustico, mas desprovido de maldade, o respeito pela autonomia dos actores. A carreira de Rozier teve seguimento com o maravilhoso Du Côté d’Orouët (rodado em 1969, estreado em 1973), mais um punhado de longas-metragens com escasso sucesso de bilheteira e numerosas curtas. É bom constatar que, apesar deste percurso quase marginal, o reconhecimento da importância do seu percurso se tornou bastante consensual.