14 de novembro de 2021

Crónicas de França

Cá temos finalmente o novo filme de Wes Anderson! Não vale a pena vermos o cinema deste realizador com as expectativas com que vemos outros filmes: para o melhor e para o pior, Wes Anderson criou regras e princípios só seus, nunca nos deixando esquecer que o cinema também pode ser um conjunto de imagens e sons manipulados com um perfeccionismo impressionante. Crónicas de França (2021) divide-se nas diferentes secções de uma revista semelhante à New Yorker, com personagens parcialmente inspiradas por pessoas que trabalharam nessa publicação, como os editores Harold Ross e William Shawn, os escritores Mavis Gallant e James Baldwin, ou o cartoonista e escritor James Thurber. O facto de esta revista se sediar em França, na cidade ficcional de Ennui-sur-Blasé, permite ao realizador homenagear a cultura francesa – não exactamente como ela é, mas filtrada não só pelas referências visuais que Anderson privilegia mas também pela cultura americana e pelos lugares-comuns que esta engendrou. Narrados pelos autores dos textos destas secções, os diferentes episódios incluem: uma homenagem ao papel de coordenador de revista (interpretado por Bill Murray); a descrição pitoresca de uma cidade francesa por um jornalista de bicicleta (Owen Wilson); uma sátira ao mundo da arte e dos coleccionadores; um pastiche da Nouvelle Vague e da cultura de Maio de 1968; e um episódio vagamente relacionado com culinária, protagonizado pelo excelente Jeffrey Wright, muito próximo de James Baldwin. Só no último episódio encontramos em todo o seu esplendor o perfeccionismo quase maníaco que caracteriza a obra de Wes Anderson. Alguns dos outros, sobretudo a secção com Timothée Chalamet, em que Frances McDormand parece representar uma personagem diferente e bastante mais rígida daquela que lhe é atribuída, têm problemas de ritmo, principalmente quando alternam entre a narração e a acção. Por outro lado, a personagem do coordenador da revista percorre o filme, unificando-o com os seus comentários editoriais, entre os quais se destacam as recomendações: «Nada de chorar» e «Independentemente de como escreveres, faz como se quisesses escrever assim de propósito», debitadas com o laconismo sisudo típico do inigualável Bill Murray. Depois do perfeccionismo, talvez a característica mais importante do cinema de Anderson seja a noção de família, que neste filme está bem patente a partir desta personagem e do modo como coordena a sua equipa. Deste modo, Crónicas de França também é um filme sobre o passado – o passado das revistas, de uma certa noção de família cultural actualmente em desintegração e também de uma convivência assente em coisas e experiências concretas e materializadas que provavelmente não voltaremos a ter. O próprio filme funciona, assim, como um museu de objectos de valor, reunidos por um coleccionador com um olhar capaz de os transfigurar numa obra pessoal. Não é o filme mais cativante de Wes Anderson, mas continua a fazer o que o melhor cinema deste realizador faz: recuperar do passado aquilo de que ainda precisamos para continuarmos a viver no presente, apesar de algumas perdas irreparáveis.