9 de julho de 2017

A Senhora Oyu | O Intendente Sansho


O cinema Nimas continua a apresentar a retrospectiva de Kenji Mizoguchi e ainda bem, porque assim temos tempo para ver os filmes que queremos, sem saturação nem stress. Nesta semana o Cinéfilo Preguiçoso viu A Senhora Oyu (1951) e O Intendente Sansho (1954), que têm em comum um dos temas mais caros ao realizador japonês: o sacrifício, quase sempre protagonizado por uma personagem feminina, em prol da felicidade de outrem. Ambos os filmes são adaptações de obras literárias: um romance de Junichiro Tanizaki e um conto de Mori Ogai, respectivamente. As semelhanças, contudo, ficam-se por aí. O enredo de A Senhora Oyu gira em torno do casamento da personagem masculina principal, Shinnosuke, com Shizu, apesar de estar apaixonado pela irmã desta, Oyu, uma viúva forçada pelas convenções sociais a consagrar-se à educação do filho. O filme é um retrato íntimo de três personagens infelizes, cujos desejos são contrariados pela força dos costumes e pelos azares da cronologia: quando, devido à morte do filho, Oyu readquire a liberdade para contrair matrimónio, Shinnosuke está casado com Shizu, que sabe não ser amada mas que aceitou a união para permitir que Shinnosuke ficasse próximo da irmã. A câmara de Mizoguchi mostra-nos uma coreografia de corpos que esboçam aproximações, mas se forçam a manter as distâncias, tolhidos pelo dever e eternamente desfasados. O filme vale ainda pela personagem extraordinária de Oyu, uma figura de beleza intemporal que se mantém sempre digna na adversidade. O Intendente Sansho também tem um certo teor coreográfico, mas neste caso os corpos interagem de forma cruel e violenta, sempre em contexto de agressão, coacção e punição. O enredo, centrando-se em dois irmãos que são vendidos como escravos no Japão medieval, pode ser visto como uma representação da emergência da lei e da compaixão num mundo dominado pela prepotência. Duas notas finais sobre os elencos: destaque para Kinuyo Tanaka, que participa em ambos os filmes e entrou em mais de quinze obras de Mizoguchi, e também para Kyoko Kagawa, que desempenha o papel da irmã em O Intendente Sansho e que muitos cinéfilos recordarão de Tokyo Monogatari, de Ozu – era ela quem contracenava com Setsuko Hara no famoso diálogo «A vida não é decepcionante?»/ «É.» O ciclo Mizoguchi prossegue até 19 de Julho.