8 de outubro de 2017

City Girl | Divine


Esta semana, Double Bill na Cinemateca, com os filmes City Girl (F.W. Murnau, 1930) e Divine (Max Ophüls, 1935). Há mais de dois meses que o Cinéfilo Preguiçoso não entrava numa sala de cinema – e, desta vez, não propriamente por preguiça –, mas quando as luzes da sala M. Félix Ribeiro se apagaram e o pianista Daniel Bruno Schvetz começou a tocar piano para acompanhar o filme de Murnau, outro universo se impôs. O tema unificador das duas sessões desta Double Bill era o suposto contraste entre o campo e a cidade. Em City Girl, temos um agricultor que vai a Chicago vender a colheita de trigo e se apaixona por uma empregada de restaurante, a rapariga da cidade do título, acabando por casar com ela e levá-la para o campo. Cansada da confusão e da poluição, esta rapariga urbana sonhava com a «a vida limpa» e as pessoas amáveis do campo, mas quando lá chega conclui que as pessoas não são tão diferentes como se pensaria. Por sua vez, no filme de Max Ophüls temos uma rapariga do campo que uma amiga convence a ir trabalhar como corista em Paris. A grande ironia deste segundo filme reside no facto de a protagonista nunca se deixar seduzir pelos encantos da cidade (aventuras, luzes da ribalta, tentativas de sedução, roupas, drogas, etc.), acabando por preferir uma vida muito semelhante àquela que inicialmente deixara. Sobre o filme de Murnau, diga-se que a secção que se passa na cidade, subtilmente hopperiana, é muito mais interessante do que a que se passa no campo, apesar da beleza dos momentos iniciais desta segunda secção. Na folha da Cinemateca, Manuel Cintra Ferreira explica que o projecto inicial de Murnau era fazer um filme sobre «o carácter sagrado do pão», mas o realizador  viu-se depois obrigado pelo produtor a dar mais destaque aos conflitos familiares e sentimentais. Nos episódios que decorrem no campo, a presença das personagens desagradavelmente estereotipadas do pai e dos ceifeiros contribui para a impressão de um filme algo desequilibrado, embora ocasionalmente muito belo. Quanto a Max Ophüls, se alguma vez fez um mau filme, o Cinéfilo Preguiçoso ainda não o viu. Neste Divine, consegue captar na perfeição a energia do teatro, tanto no palco como nos bastidores, em parte graças à versatilidade e ousadia dos movimentos de câmara – uma das imagens de marca deste cineasta. Pela liberdade formal e pelo humor iconoclasta e pueril, Divine poderia ter sido filmado em plena Nouvelle Vague.