18 de fevereiro de 2018

Olhares, Lugares


Tentar dizer se Olhares, Lugares (2017) é uma obra de Agnès Varda ou de JR é um exercício difícil e provavelmente pouco interessante. O filme desenrola-se em tom de cumplicidade total entre os dois. O projecto de base, que consiste em percorrer a França com uma carrinha dotada de um equipamento que permite tirar fotografias de grande formato, convencer os habitantes dos lugares por onde passam a tirar retratos e expô-los em paredes, muros e até num bunker da segunda guerra mundial caído do alto de uma falésia, corresponde ao modus operandi de JR, pseudónimo do artista de origem tunisina Jean René, que já fez incursões pela coreografia e realização cinematográfica. No entanto, as semelhanças de abordagem com alguns dos documentários precedentes de Varda, como Os Respigadores e a Respigadora (2000) ou Daguerréotypes (1975), são claras: interesse pelo próximo e pelas histórias alheias, componente autobiográfica, comentário reflexivo, capacidade de revelar simultaneamente a estranheza e a humanidade tanto dos entrevistados como dos realizadores, liberdade formal que não exclui o rigor do olhar e a disciplina. O aspecto mais conseguido do filme é a maneira como evita levar-se demasiado a sério, mantendo sempre vivo o espírito lúdico, apesar do alcance simbólico poderoso e assumido de alguns segmentos (por exemplo, quando os autores se servem de retratos de antigos mineiros para decorar os muros de um bairro residencial outrora ocupado por eles e pelas famílias, agora convertido em cidade-fantasma). É também exemplo disto a magnífica sequência final: a inverosímil expedição a Rolle para visitar Jean-Luc Godard, que ainda por cima suscita uma evocação dolorosa de Jacques Demy (autor de Os Guarda-Chuvas de Cherburgo, de 1964, e marido de Varda), sofre uma pirueta que a recoloca no domínio da farsa e do humor, sem que alguma vez o espectador duvide do peso devastador destas recordações. Aos 89 anos, Varda, que não filmava para o cinema desde 2008 (realizou entretanto uma série televisiva, Agnès de ci de là Varda, difundida em 2011), retoma a sua obra no ponto onde ficara, com um filme livre, belo e tocante que deixa o espectador com muito pouca vontade de se perder em conjecturas estéreis sobre quem, JR ou Agnès, contribuiu com esta ou aquela ideia, ou levou esta viagem a dois nesta ou naquela direcção.