No Coração da Escuridão (2017, tradução pseudoconradiana do
título original, First Reformed), de
Paul Schrader, usa a estrutura de Diário
de Um Pároco de Aldeia (1951), de Robert Bresson – em que um padre com
problemas de saúde vai escrevendo um diário sobre o seu quotidiano –,
articulando-a com um enredo sobre crise ambiental e ecoterrorismo. Sem dúvida,
é um filme belíssimo, que, coisa rara, causa desconcerto e deixa a pensar, mas
tem alguns problemas. Em primeiro lugar, o tom apocalíptico persistente, embora
não sendo desajustado dos tempos retratados, percorre o filme como uma vaga de
disforia destrutiva que não admite tensão e, lembrando um tanque de guerra,
arrasa qualquer subtileza que lhe aparece pela frente. Se pensarmos em filmes
como os de Bresson ou Taxi Driver
(1976), de Martin Scorsese, com argumento do mesmo Paul Schrader, a disforia
está bem presente e não se torna mais fraca – muito pelo contrário – por
enfrentar correntes opostas de redenção, no caso de Bresson, e até, em Taxi Driver, de euforia (presa no círculo
fechado da sua própria vertigem discursiva e emocional, mas euforia). É verdade
que o protagonista de Paul Schrader, graças à magnífica interpretação de Ethan
Hawke, entre a delicadeza, a agressividade e o desequilíbrio, cria um espaço de
resistência ao peso e à destruição do filme. Este protagonista, no entanto, é cilindrado
pelo enredo, que o obriga a chamar a si a herança e a lógica depressiva do
comportamento de uma personagem secundária paradoxalmente disposta
a cometer um atentado bombista para proteger a vida e a Natureza. Além dos
filmes de Bresson e de Scorsese, No
Coração da Escuridão recorda, pelo tom e pelo tema, Night Moves (2013), de Kelly Reichardt; há também uma cena de
levitação sobre fundo cósmico que parece decalcada de Que o Diabo Nos Carregue (2017), de Brisseau (e que faz também
lembrar O Estranho Caso de Angélica, o
filme de 2010 de Manoel de Oliveira – existe o risco real de a levitação se
tornar um cliché cinematográfico). Estas evocações parecem menos inesperadas se
tivermos em mente a cinefilia de Schrader. Por motivos visuais e dramáticos, a
sequência final é extremamente poderosa – Paul Schrader aprecia os gestos
bombásticos e teatrais, e é verdade que isso dá força aos seus filmes. A
questão é que quando se destrói tudo à força, depois não resta nada. Talvez por
esse motivo – avaliação a confirmar daqui a alguns anos –, No Coração da Escuridão, apesar de vigorosíssimo, não consegue ser
realmente uma obra-prima.