9 de dezembro de 2018

Godard, o Temível


Esta semana estreou o filme mais recente de Jean-Luc Godard. Será que o Cinéfilo Preguiçoso o viu? Não, por causa dos horários estapafúrdios em que o filme passa. Os leitores desta crónica, portanto, terão de se contentar com as impressões do Cinéfilo sobre um filme que há algum tempo queria ver, embora temendo o pior: Godard, O Temível (2017), de Michel Hazanavicius – em francês, Le Redoutable. Baseado em Un an après (2015), um livro de memórias de Anne Wiazemsky, o filme acompanha a relação desta actriz (e neta do escritor François Mauriac) com o realizador franco-suíço durante uma fase da carreira deste em que, um pouco antes e um pouco depois de Maio de 68, as preocupações políticas ocuparam um lugar predominante nos seus filmes. Apesar de alguns momentos irritantes, muitos deles concentrados nos vinte minutos iniciais, Godard, O Temível não é tão detestável como se poderia imaginar. Explorando Godard enquanto figura pop, uma dimensão que o próprio soube cultivar, Hazanavicius retém os aspectos mais decorativos da estética de alguns filmes do realizador (nomeadamente da segunda metade dos anos 60) – o esquema cromático, o guarda-roupa, o uso de intertítulos –,  e concentra-se nas características mais infames da personalidade de Godard: um certo moralismo; a tendência para se levar demasiado a sério, exigindo o mesmo dos outros; a rispidez; a manipulação emocional; o gosto pela provocação. Ainda assim, a escolha de Louis Garrel para interpretar o papel de protagonista acaba por tornar a personagem menos desagradável, aligeirando-a. Sobre Godard, estamos habituados a reacções extremas: de um lado, os adeptos incondicionais; do outro, os adversários que o consideram um rezingão insuportável. O facto de este filme se basear num relato de Anne Wiazemsky torna-o mais interessante: temos acesso à perspectiva de alguém que, tendo amado, admirado e convivido intimamente com o realizador, conhece e transmite bem tanto as suas qualidades como as suas fraquezas.  Além de ter alguns tiques que Hazanavicius parece ter importado desnecessariamente do filme O Artista (2011), Godard, O Temível está muito longe de ser um grande filme, mas quem se interessa por Godard não dará o seu tempo por perdido.