2 de dezembro de 2018

Vidas Duplas


O Cinéfilo Preguiçoso admira o realizador francês Olivier Assayas, tendo já escrito sobre os filmes Irma Vep (1996), As Nuvens de Sils Maria (2014) e Personal Shopper (2016). A carreira de Assayas tem sido marcada por uma diversidade de registos invulgar. O único denominador comum da sua filmografia talvez seja o apetite pela abordagem pouco ortodoxa de géneros, como o filme de autor urbano, o thriller político ou o policial, entre outros, e o modo como consegue equilibrar o distanciamento crítico e analítico com um investimento artístico e emocional genuínos. Em Vidas Duplas (2018), visto na secção de antestreias do Lisbon & Sintra Film Festival, Assayas adopta o registo da crónica familiar ou de costumes, omnipresente no cinema francês, e fá-lo sem hesitar em explorar temas e estratégias tão típicos como as refeições em comum, as conversas entre amigos e o aproveitamento do espaço citadino (Paris, neste caso) como cenário de dissimulações, fricções e encontros mais ou menos provocados. Neste filme em torno do meio da edição literária coexistem duas linhas principais: um debate recorrente sobre o papel das tecnologias digitais no futuro do livro e um enredo bastante clássico, marcado por uma pequena teia de traições conjugais e mentiras. Assayas parece ter querido sugerir que, no contexto das transformações radicais e imprevisíveis que a cadeia de produção, edição e consumo do objecto literário está a sofrer, existem certas constantes, tão incontornáveis como no tempo de Choderlos de Laclos, que continuarão a servir de matéria-prima à ficção: o desejo, o afecto, a inveja, a necessidade de validação, a duplicidade. A personagem de Léonard (Vincent Macaigne, fiel ao seu estilo e às suas personagens carentes e imaturas), autor cujas «autoficções» alcançaram algum sucesso, personifica a persistência da vontade humana de verter a vida em palavras, independentemente da plataforma e dos caprichos do mercado. Assumindo que foi este o objectivo do realizador, o sucesso é apenas parcial. Sente-se uma hesitação entre construir uma tese mais robusta ou investir mais a fundo na componente satírica, daqui resultando um filme que, embora inteligente e com muitos momentos conseguidos, deixa uma impressão de indefinição, de excesso de lugares-comuns e de falta de capacidade para trazer alguma coisa de novo para a discussão dos problemas que levanta.