10 de janeiro de 2021

Being There | My Dinner with Andre

O Cinéfilo Preguiçoso aproveitou bem a pausa festiva e decidiu destacar dois dos filmes que viu. Bem-Vindo Mr. Chance/Being There (1979), visto num canal de televisão, é um filme realizado por Hal Ashby, o autor do muito recomendável Harold and Maude (1971). A personagem principal é um jardineiro de meia-idade, ingénuo e analfabeto, que contacta com o mundo exterior pela primeira vez quando o patrão morre, acabando por conquistar a confiança de um banqueiro influente de Washington, graças a uma série de coincidências e mal-entendidos. A crítica social é evidente e intemporal: o retrato de um homem pouco educado e sem experiência política ou densidade intelectual que, de um dia para o outro, se infiltra nas altas esferas da política e chega a ser considerado um bom candidato à presidência encontra ecos deprimentes na época que atravessamos – embora, admita-se, as diferenças entre Chance e Donald Trump sejam maiores do que as semelhanças. A um nível mais subtil, Being There funciona também como denúncia da obsessão com a interpretação e com o sentido figurado dos discursos: as frases, totalmente literais, de Chance sobre jardinagem e sobre a passagem das estações são encaradas pelos que as escutam como reflexões profundas sobre economia. A interpretação de Peter Sellers roça a perfeição, como seria de esperar, embora o tom persistentemente neutro inerente à personagem acabe por se tornar algo entediante. My Dinner with Andre (1981), de Louis Malle, visto em DVD, é protagonizado pelos actores e encenadores Wallace Shawn e André Gregory. Com excepção de uma introdução e de um curtíssimo epílogo narrados por Shawn, o filme consiste inteiramente no jantar que os dois partilham num restaurante de Nova Iorque. A conversa começa por se centrar nos episódios narrados por Gregory, quase todos relacionados com actividades no teatro de vanguarda: oficinas, encenações e bizarros rituais colectivos. Na segunda parte, as intervenções de Shawn, que contrapõe às divagações e dúvidas existenciais de Gregory uma perspectiva muito mais terra-a-terra, tornam-se mais frequentes. Embora a discussão tenha interesse por si só, o mérito principal de My Dinner with Andre é a maneira engenhosa como Malle explora um registo que combina documentário e ficção: por um lado, Shawn e Gregory representam-se a eles mesmos (ou versões ficcionadas deles mesmos), são homens do teatro e colaboradores de longa data, e fazem referência a episódios e pessoas reais; por outro, são personagens de uma história e o filme não abdica de algumas convenções do cinema de ficção, como a unidade de tempo e de espaço e a existência de uma linha narrativa. O resultado é um filme desconcertante e inteligente, que, contra tudo o que seria de esperar, se transformou numa obra de culto com repercussões na cultura popular, incluindo paródias em sitcoms como Os Simpsons ou Frazier.