Esta semana, o Cinéfilo Preguiçoso viu dois filmes que têm em comum mostrar duas personagens muito diferentes entre si que, reunidas por contingências da vida, aprendem a conviver uma com a outra. Trata-se de um subgénero muito representado no cinema norte-americano, e não só: basta lembrar, entre muitos outros, Rain Man (Barry Levinson, 1988) e Driving Miss Daisy (Bruce Beresford, 1989). Infelizmente, este tipo de história, embora proporcione filmes que arrancam com frequência elogios profusos, também se presta à lamechice e a mensagens estereotipadas sobre as virtudes da tolerância e da diversidade. Manchester by the Sea (Kenneth Lonergan, 2016), visto na televisão, centra-se em Lee (Casey Affleck), um porteiro de Boston que se vê obrigado a tomar conta do sobrinho, Patrick, após a morte súbita do irmão. Este filme tem vários problemas. Em primeiro lugar, parece demasiado óbvio que o aparecimento de Patrick na vida de Lee é um estratagema dramático para evocar o acidente que destruiu a família deste, gradualmente revelado ao longo do filme (por vezes de forma canhestra e com uma banda sonora xaroposa que é um autêntico tiro no pé). O impacto dramático do filme deriva muito mais das circunstâncias da personagem do que das qualidades do argumento ou da realização: só alguém com uma pedra no lugar do coração deixará de se compadecer de uma personagem a quem sucedem tantas desgraças e que ganha o salário mínimo e vive sozinho num quarto minúsculo. Abundam os lugares-comuns sobre a vida das comunidades blue collar a que Hollywood nos habituou: pescarias, lutas em bares, cerveja bebida no sofá em frente à televisão. Para finalizar: nem as interpretações nem o argumento (que recebeu um Óscar, incompreensivelmente) se distinguem da mediania. Manchester by the Sea não é um desastre completo e contém alguns pontos fortes, como o reencontro entre Lee e a ex-mulher (Michelle Williams), mas deixa muito a desejar, parecendo dever o seu sucesso à contenção sentimental do protagonista. Em Harold and Maude (1971), de Hal Ashby, visto na Cinemateca, as duas personagens díspares são um jovem de um meio abastado, que dedica os tempos livres a elaboradas simulações de suicídio, e uma septuagenária excêntrica. O encontro dá-se num dos funerais a que ambos costumam assistir: Harold por morbidez, Maude porque vê neles celebrações do ciclo da vida. Este confronto de temperamentos, evoluindo inicialmente para a amizade e depois para um envolvimento romântico, poderia facilmente redundar num filme pretensioso e carregado de mensagens hipócritas de exaltação da vida. Ashby evita essa armadilha apostando num humor macabro, iconoclasta, cheio de auto-ironia, e encadeando peripécias a um ritmo vertiginoso. Outro aspecto saudável é a quase completa ausência de explicações psicológicas: Harold e Maude (Bud Cort e Ruth Gordon, excelentes) são como são e cada um tem de lidar com isso; o passado é o que menos interessa. Harold and Maude foi um fracasso de crítica e público quando estreou, mas acabou por se tornar um filme de culto. Talvez isso se deva ao contraste entre a formatação estética e ideológica que caracteriza grande parte do cinema mainstream dos nossos dias e a espontaneidade e ousadia dos anos 70 (seria possível hoje mostrar no cinema uma relação amorosa, por sinal nada platónica, entre um quase adolescente e uma idosa?). O Cinéfilo Preguiçoso duvida muito seriamente que Manchester by the Sea se torne um filme de culto e que ainda seja exibido em sala em 2064, sobretudo com uma plateia tão bem composta como estava a da Sala Félix Ribeiro na sessão de sábado.