O Cinéfilo Preguiçoso viu finalmente Nomadland (real. Chloé Zhao, 2020). Baseado num livro de Jessica Bruder sobre os americanos que, depois da crise de 2007-2009, se viram obrigados a viajar pelos Estados Unidos em busca de trabalhos temporários, Nomadland recebeu o Óscar para melhor filme e o Leão de Ouro no Festival de Veneza, e também foi muito elogiado entre nós, o que gera sempre uma espécie de saturação que nos pode fazer sentir que já vimos o filme mesmo antes de o termos visto. Ainda assim, ver Nomadland não foi uma perda de tempo. Mesmo sem ter uma realização inovadora ou original, destaca-se o respeito com que aborda a complexidade destas personagens e das suas motivações. Em vez de as filmar simplesmente como vítimas, mostra não só os momentos difíceis do seu quotidiano, mas também o exercício da liberdade de escolha que permite que algumas delas considerem aquela forma de vida preferível ao sedentarismo. Vemos as personagens tanto a trabalhar como em momentos de lazer através da paisagem americana, filmada quase sempre ao nível do olhar humano, com o horizonte em fundo. O elenco inclui verdadeiros nómadas, entre os quais Linda May, Swankie e Bob Wells, em interacção com a protagonista Fern (excelente Frances McDormand). Como acontece em First Cow (Kelly Reichardt, 2019), em contraste com a tendência da cultura americana para o tom épico e heróico, aqui presta-se atenção a anti-heróis, personagens supostamente insignificantes que as pessoas mais convencionais desvalorizam ou não conseguem compreender. Deste modo, o filme mostra que os próprios Estados Unidos são mais complexos do que parecem, não se limitando a ser a terra do capitalismo e dos capitalistas. Tudo isto é interessante, mas não faz um grande filme e talvez não justifique o entusiasmo desmedido e o consenso crítico que Nomadland gerou. Sentimos muitas vezes que é um filme um pouco ligeiro e nem sempre capaz de aprofundar as personagens e as situações. O final, obrigando Fern a regressar à casa de partida, simplifica a única personagem relativamente complexa, sugerindo que afinal não é assim tão diferente daqueles que tentam convencê-la a viver em casa deles. Talvez um dos motivos pelos quais o filme fez tanto sucesso seja o facto de prestar atenção a personagens pouco comuns, mas sem se atrever a afastar-se completamente de moldes narrativos mais tradicionais. Por outras palavras, Nomadland transmite uma impressão de alguma ousadia e ruptura com as convenções, mas nunca abandona a vizinhança da zona de conforto dos espectadores e da crítica.