9 de janeiro de 2022

O Amor É Uma Coisa Estranha | Homenzinhos

O Cinéfilo Preguiçoso planeava ir várias vezes ao cinema nos últimos dias do ano, mas a obrigatoriedade de apresentar um teste negativo à COVID-19 nas salas atirou-o para o limbo cinematográfico dos DVD e do arquivo e videoclube da televisão. Não foi totalmente desagradável. Entre títulos tão diferentes como O Movimento das Coisas (Manuela Serra, 1985), Carrie  (Brian De Palma, 1976), Blade Runner (Ridley Scott, 1982), Mystery Train (Jim Jarmusch, 1989) e O Último Retrato (Stanley Tucci, 2017, sobre Giacometti), destacaram-se dois filmes surpreendentemente bons do norte-americano Ira Sachs (n. 1965). Do mesmo realizador, o Cinéfilo Preguiçoso já tinha visto Frankie (2019), filmado em Sintra, com Isabelle Huppert, mas não tinha ficado com uma impressão muito favorável. Pelo contrário, O Amor É Uma Coisa Estranha (2014) e Homenzinhos (2016) são dois filmes notáveis. Formam uma espécie de díptico nova-iorquino que nos permite acompanhar as aventuras e desventuras de diferentes famílias através, por um lado, do espaço maior da cidade e, por outro, dos espaços mais restritos das casas onde habitam. A crise do imobiliário, a noção de lar e a forma como cada personagem ocupa um espaço são fulcrais em ambos. Em O Amor É Uma Coisa Estranha, os dois protagonistas (interpretados por John Lithgow e Alfred Molina) vêem-se obrigados a vender a casa em que moram há muitos anos, tendo de ser acolhidos por familiares, por não conseguirem encontrar outro apartamento a um preço aceitável na cidade. Em Homenzinhos, as famílias dos dois protagonistas adolescentes entram em conflito por causa da renda de uma loja que pertence a uma delas. A partir destes espaços e relações, Ira Sachs explora as dinâmicas familiares e sociais das personagens com uma subtileza e uma ausência de dramatismos e moralismos extraordinárias. Nos dois filmes, acompanhamos personagens geralmente com interesses artísticos, em fases muito diferentes da vida, mas tentando sempre perceber quem são, como querem ser ou como podem viver. A sobreposição temporária de perspectivas etárias e sociais muito diferentes permite ao realizador traçar um verdadeiro retrato da cidade e de alguns dos seus habitantes sem qualquer veleidade de transmissão de mensagem moral: vemos simplesmente pessoas como nós, tentando viver sem prejudicar ninguém, mas sem conseguirem escapar a uma ou outra dúvida ou decisão egoísta e às fricções e conflitos de interesses que resultam da convivência próxima. Não são filmes que imponham uma ideia inovadora ou que se distingam pela ousadia formal, mas, parecendo enganadoramente simples, deixam os espectadores com a sensação de que assistiram à própria vida e compreenderam como é estar vivo – uma das coisas mais complicadas que o cinema consegue fazer.