4 de setembro de 2022

Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro

Começamos o mês de Setembro com um filme sobre o Verão que se acaba – Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro, de Abdellatif Kechiche (2017), visto em DVD. Na verdade, a motivação para ver este filme, mais do que relacionada com a época do ano, foi indirectamente literária, já que alguns críticos chamaram a atenção para as suas correntes proustianas e o Cinéfilo Preguiçoso quer explorar alguns filmes com esta influência. Em Portugal, talvez Abdellatif Kechiche seja principalmente conhecido como o realizador de O Segredo de Um Cuscuz (2007) e A Vida de Adèle (2013). Em França, no entanto, é um nome que está sempre envolvido em polémica e Mektoub não escapou à regra: há um conflito ainda em curso com os produtores, em torno de um imbróglio com o financiamento das três partes do filme. Quando estreou em Cannes, Intermezzo, a segunda parte, gerou indignação e polémica – não só por causa da duração (três horas e meia, mais trinta minutos do que a primeira parte), mas também devido a acusações de abusos sexuais contra o realizador. E mesmo este Canto Primeiro desagradou a muitos, tendo chegado a ser descrito como «festival de twerk». O filme adapta o romance La Blessure, la vraie, de François Bégaudeau. Como Un jeune poète (Damien Manivel, 2014), passa-se em Sète, uma cidade à beira-mar a que o jovem protagonista regressa nas férias, para se reencontrar com a família e com os amigos no Verão de 1994, depois de desistir do curso de medicina que frequentava em Paris. Identificamos associações proustianas, deliberadas ou não, logo na primeira cena do filme, em que o olhar de Amin, o protagonista, se confunde com o do realizador, tal como, na Recherche, o olhar de M. se confunde com o do narrador: na sequência inicial, vemos o que o protagonista vê, mas também o protagonista a ver e o que ele não vê inteiramente. Além disso, como em Proust, durante todo o filme Amin é essencialmente um observador, e isso permite ao realizador traçar a cartografia social e sentimental do grupo de jovens (e figuras mais velhas) que vivem entre a praia e a discoteca. Outro nexo proustiano importante é a maneira como as relações ou interesses sentimentais das personagens principais dependem sempre da mediação de um terceiro elemento; tal como em Proust, as personagens não percebem nem assumem imediatamente quem ou o que as atrai mais entre os membros do grupo. É claro, porém, que, à semelhança da Recherche, o traço distintivo de Mektoub é aquele que mais exasperação causou: a atenção à duração e o modo como determinadas sequências se prolongam até à exaustão, transformando-se em pura sensação e melancolia. Mektoub inclui algumas cenas típicas do cinema francês – refeições de família ou grupo ao ar livre, o Verão e a praia, noites nas discotecas –, mas explora a sua duração de uma forma que as transfigura. Aliás, sobretudo pelo facto de nestas cenas tudo fluir a ponto de nem sempre se perceber bem o que estava no guião e o que foi improvisado, este filme evoca um realizador francês em particular – Maurice Pialat –, que, tal como Kechiche, nunca foi consensual e que também ganhou uma Palma de Ouro muito contestada. Independentemente das controvérsias, o Cinéfilo Preguiçoso, apesar de inicialmente ter sentido algumas dificuldades com o ritmo, gostou de Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro e está interessado em ver as duas outras partes. Consultando o significado da palavra «Mektoub», verificámos que quer dizer destino, e queremos saber o que vai acontecer a seguir.