Só
por esta vez, comecemos pela conclusão: há muito tempo que o Cinéfilo
Preguiçoso não se entusiasmava tanto com um filme de um novo realizador
francês. O realizador chama-se Damien Manivel e o título, visto no LEFFEST, é Un
jeune poète (2014). Trata-se da primeira longa-metragem de Manivel, que
entretanto já assinou mais três, todas mostradas neste festival – uma delas, O Parque (2016), será exibida em Serralves no próximo mês de Janeiro, integrada
no ciclo “Carta Branca a Eugène Green”. À semelhança de filmes como Poesia
(Lee Chang-Dong, 2010) e Paterson (Jim Jarmusch, 2016), Un jeune
poète tem um protagonista que, mais ou menos do que “ser poeta”, é alguém
que se debate com a poesia. Em pleno Verão, o jovem Rémi (interpretado pelo
excelente Rémi Taffanel) deambula de dia e de noite pela cidade de Sète. Recordamos imediatamente o
início de Conto de Verão (1996), de Rohmer, onde também o protagonista
vagueia por uma cidade costeira à procura de alguma coisa. Mas enquanto Gaspard
(Melvil Poupaud) procura uma rapariga em que está interessado, Rémi, desejando
ser poeta, procura inspiração para escrever. Como procura Rémi inspiração?
Convive com os habitantes da zona, pedindo-lhes que lhe descrevam
pormenorizadamente as suas actividades; faz amizade com pescadores e
acompanha-os na pesca; visita a biblioteca e pesquisa palavras no dicionário; interessa-se
por uma rapariga da zona, que não retribui este interesse; visita um museu, onde
comenta depreciativamente o aspecto do poeta Paul Bousquet num retrato; vagueia
sozinho pela cidade de noite, bebendo vodka; é visita frequente do cemitério,
onde se senta em frente do túmulo de Paul Valéry, tentando conversar com ele;
escreve versos reminiscentes do simbolismo do século XIX, mas bastante maus;
chora. Un jeune poète é um daqueles filmes que, à angústia da
influência, prefere o seu júbilo, apropriando-se dela para construir um filme
belíssimo e individual sem repudiar a família a que pertence. Funciona como uma
espécie de catálogo de gestos e acções que se têm na adolescência quando se
deseja escrever poesia. Talvez o seu momento mais belo, entre tantos, seja
também o mais estranho: aquele em que, ao lado do protagonista sentado no banco
em frente ao túmulo de Valéry, aparece
um homem misterioso com ar consternado que nunca fala, mas que, no fim do
filme, consultando a lista de personagens, concluímos que só pode ser o
fantasma do próprio Valéry. Ainda no LEFFEST, o Cinéfilo Preguiçoso viu Fantasmas
(Christian Petzold, 2005), filme que, juntamente com Yella (2007) e The State I Am In (2000), integra aquela
a que Petzold chama a sua «trilogia dos fantasmas». Nesta longa-metragem com
duas linhas narrativas que a dada altura se entrecruzam, estão bem presentes a
atmosfera e as personagens características do cinema de Petzold. Nunca sabemos
bem em que nível estas personagens estão – se na morte, se na vida –, nem que
estatuto têm: serão personagens ou personagens criadas por personagens?, que
personagem projectou a outra? Petzold já fez melhor, mas um filme menos
conseguido deste realizador é melhor e mais estimulante do que 90% do que se vê
por aí.