17 de novembro de 2019

Un jeune poète | Fantasmas


Só por esta vez, comecemos pela conclusão: há muito tempo que o Cinéfilo Preguiçoso não se entusiasmava tanto com um filme de um novo realizador francês. O realizador chama-se Damien Manivel e o título, visto no LEFFEST, é Un jeune poète (2014). Trata-se da primeira longa-metragem de Manivel, que entretanto já assinou mais três, todas mostradas neste festival – uma delas, O Parque (2016), será exibida em Serralves no próximo mês de Janeiro, integrada no ciclo “Carta Branca a Eugène Green”. À semelhança de filmes como Poesia (Lee Chang-Dong, 2010) e Paterson (Jim Jarmusch, 2016), Un jeune poète tem um protagonista que, mais ou menos do que “ser poeta”, é alguém que se debate com a poesia. Em pleno Verão, o jovem Rémi (interpretado pelo excelente Rémi Taffanel) deambula de dia e de noite pela  cidade de Sète. Recordamos imediatamente o início de Conto de Verão (1996), de Rohmer, onde também o protagonista vagueia por uma cidade costeira à procura de alguma coisa. Mas enquanto Gaspard (Melvil Poupaud) procura uma rapariga em que está interessado, Rémi, desejando ser poeta, procura inspiração para escrever. Como procura Rémi inspiração? Convive com os habitantes da zona, pedindo-lhes que lhe descrevam pormenorizadamente as suas actividades; faz amizade com pescadores e acompanha-os na pesca; visita a biblioteca e pesquisa palavras no dicionário; interessa-se por uma rapariga da zona, que não retribui este interesse; visita um museu, onde comenta depreciativamente o aspecto do poeta Paul Bousquet num retrato; vagueia sozinho pela cidade de noite, bebendo vodka; é visita frequente do cemitério, onde se senta em frente do túmulo de Paul Valéry, tentando conversar com ele; escreve versos reminiscentes do simbolismo do século XIX, mas bastante maus; chora. Un jeune poète é um daqueles filmes que, à angústia da influência, prefere o seu júbilo, apropriando-se dela para construir um filme belíssimo e individual sem repudiar a família a que pertence. Funciona como uma espécie de catálogo de gestos e acções que se têm na adolescência quando se deseja escrever poesia. Talvez o seu momento mais belo, entre tantos, seja também o mais estranho: aquele em que, ao lado do protagonista sentado no banco em frente ao túmulo de Valéry,  aparece um homem misterioso com ar consternado que nunca fala, mas que, no fim do filme, consultando a lista de personagens, concluímos que só pode ser o fantasma do próprio Valéry. Ainda no LEFFEST, o Cinéfilo Preguiçoso viu Fantasmas (Christian Petzold, 2005), filme que, juntamente com Yella (2007) e The State I Am In (2000), integra aquela a que Petzold chama a sua «trilogia dos fantasmas». Nesta longa-metragem com duas linhas narrativas que a dada altura se entrecruzam, estão bem presentes a atmosfera e as personagens características do cinema de Petzold. Nunca sabemos bem em que nível estas personagens estão – se na morte, se na vida –, nem que estatuto têm: serão personagens ou personagens criadas por personagens?, que personagem projectou a outra? Petzold já fez melhor, mas um filme menos conseguido deste realizador é melhor e mais estimulante do que 90% do que se vê por aí.