11 de fevereiro de 2024

Vidas Passadas

Já não é a primeira vez que o Cinéfilo Preguiçoso se surpreende com o aumento da afluência de público nas salas que frequenta e que se pergunta se se tratará de uma tendência robusta ou de uma efémera flutuação estatística. A sala em que assistiu a Vidas Passadas (2023) estava apinhada, o que ainda é mais surpreendente por se tratar de um filme independente, parcialmente falado em coreano, e por ser a primeira longa-metragem de uma realizadora desconhecida, Celine Song, que até agora se tinha dedicado à escrita para teatro e televisão. É admissível que o facto de o filme contar uma história simples com contornos românticos, assim como a inesperada nomeação para Óscar de melhor filme, estejam a contribuir para a sua popularidade. Vidas Passadas centra-se na relação entre duas personagens, Na Young e Hae Sung, que começa com uma paixoneta infantil em Seul e persiste ao longo do tempo, sempre à distância, depois de Na Young emigrar com os pais para a América e acabar por se casar e enveredar por uma carreira de escritora. Quando Hae Sung, ao fim de vinte e quatro anos, finalmente a visita em Nova Iorque, interrogam-se sobre como seriam as suas vidas se tivessem tomado decisões diferentes. Vidas Passadas adopta um tom contido, sóbrio e plácido para contar esta história centrada nas angústias sobre as diferentes vidas alternativas, paralelas à existência real, a que o acaso e o livre-arbítrio nos conduzem. Nos diálogos entre estas personagens e Arthur, o marido norte-americano de Nora (nome adoptado por Hae Young na sua nova vida), surge recorrentemente uma palavra coreana que exprime um conceito budista afim da “providência” ou do “destino”. As duas personagens usam essa palavra para tentar explicar a sua relação à luz do que terão sido um para o outro em vidas passadas. A ambiguidade da palavra “vida” é explorada de forma subtil: pode referir-se a hipotéticas encarnações anteriores, num contexto budista, ou a épocas passadas de uma mesma vida, de que nos sentimos tão desligados como se tivesse sido outra pessoa a vivê-las. A maneira linear e despojada como Song conta esta história, claramente autobiográfica, é outros dos trunfos: recorrer a excessos emocionais e invenções estilísticas seria quase inevitavelmente uma receita para o desastre. Contudo, essa virtude coincide com a maior fraqueza do filme, que se mantém num registo brando e indistinto, a que falta alguma coisa que eleve Vidas Passadas ao patamar de obra genuinamente interessante e capaz de deixar marcas. Seja como for, saúde-se o sucesso que parece estar a obter. Não há razão para que os numerosos espectadores que passaram parte de uma tarde de Inverno na companhia deste filme tenham dado por mal empregado o seu tempo.