O fim de 2024 aproxima-se e, com ele, uma merecida pausa, talvez sine die, do Cinéfilo Preguiçoso. Felizmente, os deuses do acaso foram generosos e permitiram-nos terminar com T.S. Eliot e Ralph Fiennes. Nada mal. Em 2021, Fiennes apresentou em Londres uma encenação de um dos poemas mais importantes do século XX: Four Quartets. No ano seguinte, Sophie Fiennes, irmã do actor, estreou uma adaptação para cinema agora disponível no videoclube de uma operadora de telecomunicações. As ideias de teatro filmado e de fazer teatro a partir de um poema com mais de mil versos geram logo um conjunto de receios. Quando vemos este filme, no entanto, percebemos imediatamente que tem dois trunfos inquestionáveis: um grande texto e um grande actor, familiarizado com Eliot desde a infância (Eliot era um dos escritores preferidos da mãe de Fiennes, a romancista Jennifer Lash, e a família costumava ouvir uma gravação em vinil do autor a ler este poema). Fiennes dá-nos luz, uma mesa e duas cadeiras, pouquíssima música. Está descalço, com roupas em tons terra, e fala metodicamente e devagar, como se pensasse à nossa frente. Este é o espectáculo: compreender intimamente um texto e permitir-nos compreendê-lo também. Não é preciso mais nada. As palavras de Eliot instalam-se na nossa vida. Antes do início, talvez se considere a hipótese de interromper a dada altura, se se tornar muito cansativo, mas, logo que o filme começa, ficamos simplesmente suspensos de cada palavra, expressão e respiração do actor. As cenas no palco são entrecortadas por imagens dos espaços (jardim, campo, praia) identificados nos títulos das diferentes secções do poema, e a alternância entre voz humana e imagens estáticas faz lembrar, por vezes os filmes de Huillet/Straub. Sophie Fiennes constatou que estes espaços ainda correspondem na perfeição à descrição que Eliot deles faz, o que demonstra em acto a própria noção de tempo explorada no poema. Estudando a estrutura de Four Quartets, a realizadora decidiu articular as diferentes paisagens e tons do poema com os planos: quando se fala da natureza, são mais amplos; se a paisagem é urbana, são mais próximos; as passagens mais líricas correspondem aos planos mais próximos do actor e as mais metafísicas suscitam movimentos de câmara mais fluidos. Inevitavelmente, falta ao filme a proximidade física e temporal que, nos melhores momentos, se sente numa sala de teatro, mas é uma experiência inesquecível, mesmo assim.
O Cinéfilo Preguiçoso faz agora uma pausa por tempo indeterminado. Obrigado a todos os que acompanharam as nossas publicações, que começaram há dez anos e um dia. Escrevemos sobre cerca de meio milhar de filmes. Foi bom saber que havia quem, do outro lado, nos lesse, partilhando ou discordando do nosso entusiasmo ou cepticismo. Até qualquer dia!
Alda Rodrigues e Alexandre Andrade