Existem semelhanças entre a biografia e os percursos artísticos de Alice Diop, realizadora do extraordinário Saint Omer (2022), e Mati Diop, autora de Dahomey (2024), visto esta semana no cinema: francesas de ascendência senegalesa, da mesma geração, dedicaram-se essencialmente ao documentário antes de experimentarem a ficção. Ambas foram consagradas em grandes festivais graças a estes filmes: Leão de Prata na Mostra de Veneza, em 2022, e Urso de Ouro em Berlim, em 2024, respectivamente. Enquanto Saint Omer é, entre tantas outras coisas, sobre a integração de imigrantes na cultura francesa, Dahomey é um documentário que explora os efeitos na vida de uma ex-colónia africana da decisão do governo francês de restituir obras de arte pilhadas. Pode haver a tentação de relacionar este filme com o famosíssimo Les Statues Meurent Aussi (1953), de Alain Resnais, que se debruça sobre a degradação do significado das obras de arte africanas quando são transplantadas para museus ocidentais, mas seria um erro fazer depender o seu valor de diálogos ou comparações. Dahomey é um filme poderosíssimo que, para fazer uma (última) menção ao filme de Resnais, mostra, de certa forma, a ressurreição das estátuas mortas e o seu regresso ao território de origem. Esta ressurreição é acompanhada por ansiedade e confusão: Mati Diop dá voz à estátua de Ghézo, um dos soberanos do antigo reino do Daomé, que se interroga sobre o que irá encontrar quando voltar a ver o seu país, que passou a chamar-se Benim. Depois de uma primeira parte em França, em que vemos os gestos meticulosos de acondicionamento e transporte das estátuas, a atenção da realizadora centra-se no seu destino e mostra-nos os preparativos e as reacções suscitadas por este acontecimento, que resultou de um pedido do presidente beninense Patrice Talon, rejeitado pelo presidente François Hollande e posteriormente aceite por Emmanuel Macron, sob a forma de uma lei que se aplica a apenas uma pequena fracção dos artefactos saqueados em 1892. Diop não se interessa por cerimónias oficiais nem por discursos; privilegia situações mais ou menos colaterais, como a chegada de dignitários trajados a rigor ou um debate intenso entre jovens sobre o significado e alcance da restituição. Este debate, que ocupa uma parte significativa do filme, é fascinante não só pelos argumentos que são apresentados, mas também pela maneira dinâmica e criativa como é filmado: combinando intervenções apaixonadas com os gestos e poses distraídos ou fatigados dos espectadores, fornece um retrato de uma sociedade cheia de vitalidade e de vontade de discutir o seu passado e o seu futuro. A tensão entre o passado e o futuro em construção, entre a voz soturna do antigo rei do Daomé e as vozes empolgadas dos jovens beninenses, é o fulcro de Dahomey, cujo registo híbrido o aproxima da ficção: sentimos que tanto o antigo rei Ghézo como qualquer um dos estudantes envolvidos no debate poderiam ser personagens, ganhar vida própria e protagonizar um filme. Diop consegue a proeza de nos mostrar como um processo cujo significado se poderia restringir ao plano simbólico acaba por afectar a vida das pessoas. Para finalizar, assinale-se que Mati Diop tem seguido uma carreira como actriz em paralelo com a actividade de realização. Alguns dos leitores poderão lembrar-se dela no papel da filha de Alex Descas no belíssimo 35 Rhums, de Claire Denis (2008).