Eis que
chega às salas o segundo volume de As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes
(2015). O subtítulo O Desolado anuncia inequivocamente o tom deste filme.
Enquanto o primeiro volume surpreendia pela força vital, pelo humor e pela ironia com que
as personagens lidavam com as suas histórias infelizes e a sua própria revolta
(com soluções que iam desde impingir chocolates da Suíça a quem aparecesse lá
por casa, até ‘votar em todos’, conceber invenções engenhosas para controlar a
expansão das vespas asiáticas, ou tomar o dobro ou o triplo das gotas de
Angelicalm), o segundo volume dá uma espécie de murro no estômago do
espectador. As personagens das três secções deste episódio vão perdendo
lentamente a capacidade de reacção e as que não recorrem a todos os expedientes
para sobreviver acabam por se render e desistir da vida. Na primeira
secção do filme, em que se narra a captura de Simão Sem Tripas, deparamos com a combinação de uma vertente popular/tradicional com outra, tecnológica e contemporânea, numa
história com laivos de lenda, mas vigiada por drones e acompanhada por
escuteiros que aclamam um assassino. Na segunda secção, intitulada As Lágrimas
da Juíza, em que assistimos ao inventário e julgamento de um conjunto de
crimes mesquinhos cometidos ‘ou por maldade ou por desespero’, todos parecem
(parecemos) culpados de pequenos expedientes em relação aos quais não dispõem de grandes
alternativas para escapar. Na terceira secção, a derrota instala-se
definitivamente. Uma referência especial a certos momentos do filme em que a
presença de Sayombhu Mukdeeprom (director de
fotografia habitual do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul) se faz
sentir de modo inegável, como o relato da vaca na segunda secção, o encontro do
cão Dixie com o seu próprio fantasma na terceira secção, ou certos planos
desprovidos de presença humana mas em que fumos, líquidos ou correntes de ar
parecem dar corpo a uma ameaça.