28 de setembro de 2015

As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado




Eis que chega às salas o segundo volume de As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes (2015). O subtítulo O Desolado anuncia inequivocamente o tom deste filme. Enquanto o primeiro volume surpreendia pela força vital, pelo humor e pela ironia com que as personagens lidavam com as suas histórias infelizes e a sua própria revolta (com soluções que iam desde impingir chocolates da Suíça a quem aparecesse lá por casa, até ‘votar em todos’, conceber invenções engenhosas para controlar a expansão das vespas asiáticas, ou tomar o dobro ou o triplo das gotas de Angelicalm), o segundo volume dá uma espécie de murro no estômago do espectador. As personagens das três secções deste episódio vão perdendo lentamente a capacidade de reacção e as que não recorrem a todos os expedientes para sobreviver acabam por se render e desistir da vida. Na primeira secção do filme, em que se narra a captura de Simão Sem Tripas, deparamos com a combinação de uma vertente popular/tradicional com outra, tecnológica e contemporânea, numa história com laivos de lenda, mas vigiada por drones e acompanhada por escuteiros que aclamam um assassino. Na segunda secção, intitulada As Lágrimas da Juíza, em que assistimos ao inventário e julgamento de um conjunto de crimes mesquinhos cometidos ‘ou por maldade ou por desespero’, todos parecem (parecemos) culpados de pequenos expedientes em relação aos quais não dispõem de grandes alternativas para escapar. Na terceira secção, a derrota instala-se definitivamente. Uma referência especial a certos momentos do filme em que a presença de Sayombhu Mukdeeprom (director de fotografia habitual do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul) se faz sentir de modo inegável, como o relato da vaca na segunda secção, o encontro do cão Dixie com o seu próprio fantasma na terceira secção, ou certos planos desprovidos de presença humana mas em que fumos, líquidos ou correntes de ar parecem dar corpo a uma ameaça.