O
Cinéfilo Preguiçoso não descurou a sua missão durante o período estival.
Metamorfoses (2014) sugere um saudável desejo de ruptura na obra de
Christophe Honoré, depois do marasmo criativo que Os Bem-Amados (2011)
deixava entrever. O filme esgota-se na sua ideia de base: uma transcrição para
o cinema dos mitos de Ovídio, encenados numa França rural mas repleta de sinais
da civilização. Algumas cenas plasticamente conseguidas não dissipam a
impressão de um exercício inofensivo e inconsequente. A ruptura também existe
em As Mil e Uma Noites: Volume 1, O Inquieto (2015), de Miguel Gomes, mas
trata-se neste caso de algo interno ao fluxo do filme: fiel a si mesmo, Gomes
subverte o esquema formal proposto ao espectador no início da obra e
apresenta-nos um produto final que reflecte esse mesmo processo de reinvenção. O
golpe de rins narrativo (a fuga do realizador e colaboradores próximos,
obrigados em seguida a inventar histórias, à maneira de Xerazade, para aplacar
a ira dos restantes membros da equipa), de uma comicidade pueril, é aplicado
logo no início do filme e abre caminho para um mosaico de narrativas e vinhetas
que traçam um retrato de Portugal contemporâneo com eficácia e lirismo: não
faltam as referências ao desemprego, à troika e às eleições locais, mas também
a temas aparentemente mais corriqueiros embora com óbvio interesse local (a
vespa asiática). A impressão que fica, enquanto se espera pelos restantes
volumes da trilogia, é a de liberdade e ousadia ao serviço de uma vontade
urgente de ser fiel àquilo que foi e é o Portugal dos anos de chumbo da crise e
do memorando de entendimento. E há que dizer que o episódio do galo é das
coisas mais hilariantes e ao mesmo tempo mais realistas que o cinema português
nos ofereceu nos últimos anos.