23 de setembro de 2018

Moonrise


Apesar de já estarmos perto do fim de Setembro, o panorama de estreias continua pouco inspirador. Felizmente, na Double Bill deste sábado, a Cinemateca passou um filme de Frank Borzage que o Cinéfilo Preguiçoso ainda não tinha visto: Moonrise/Consciência em Paz (1948), considerado a sua última grande obra no cinema sonoro. Quem já viu alguns filmes mudos deste realizador, como Lucky Star, Liliom, 7th Heaven ou Street Angel, todos eles delicadíssimos, quase oníricos, talvez não espere uma atmosfera tão sombria como a deste filme. Moonrise é um filme sobre a culpa e heranças difíceis. Uma grande parte decorre sob a lógica do pesadelo, para a qual contribuem os raccords e o carácter inesperado de certos planos, alguns dos quais evocam a herança do mudo e do expressionismo alemão. Danny Hawkins (Dane Clark), o protagonista, vai agindo irracionalmente em cenários estranhos e inquietantes – um pântano, um parque de diversões onde se julga perseguido, uma velha mansão decrépita e aparentemente abandonada, a casa de um amigo negro (sem dúvida uma das personagens mais interessantes do filme) que se afastou das pessoas para viver só com os cães que cria, a casa de um segundo amigo, surdo-mudo que Danny protege da troça alheia. Quando Danny ainda era bebé, o pai foi enforcado por ter assassinado um homem. Desde esse momento, o filho carrega consigo uma culpa irracional, reforçada por todos aqueles que insistem em recordar-lhe permanentemente o crime do pai, tratando-o como se ele não só partilhasse dessa mácula, mas também estivesse condenado ao mesmo destino. A dada altura, uma das personagens comenta que a culpa, mesmo quando injustificada, tudo faz para suscitar a sua própria punição. Com efeito, o protagonista concretiza o destino a que os outros o condenavam e de que ele próprio não duvidava.  Só no momento em que, depois de uma fuga pelo pântano, regressa ao passado, visitando a avó e as sepulturas dos progenitores, alcança uma espécie de pacificação, ao compreender as razões para o crime do pai (que havia assassinado o médico que recusara assistência à sua mulher doente, que tinha acabado por morrer). Assumir plenamente a verdadeira herança do passado liberta-o para enfrentar o seu próprio futuro. Paradoxalmente, entregar-se à polícia é a primeira afirmação de liberdade na sua vida. O Cinéfilo Preguiçoso não ficou para a segunda sessão da Double Bill, com The Southerner, de Jean Renoir (1945), porque já tinha visto este filme e a preguiça falou mais alto.