10 de fevereiro de 2019

A Favorita


O Cinéfilo Preguiçoso não ficou inteiramente convencido com A Lagosta (2015), de Yorgos Lanthimos, o que o desencorajou de ver O Sacrifício de Um Cervo Sagrado (2017), o filme seguinte deste realizador grego. A Favorita (2018) parece representar uma ruptura nos hábitos de Lanthimos, à qual não será alheio o facto de, pela primeira vez na sua carreira, trabalhar com um argumento escrito por outra pessoa (se exceptuarmos a sua primeira longa-metragem, My Best Friend, de 2001, co-realizada com Lakis Lazopoulos). Em vez de fábulas distópicas ou elaborados thrillers psicológicos com queda para o esquematismo, temos aqui um filme histórico centrado na relação entre a rainha Ana de Inglaterra (Olivia Colman) e as suas favoritas, a duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) e Abigail Masham (Emma Stone). O resultado, sem ser uma obra-prima, é um filme inteligente que consegue um equilíbrio satisfatório entre a reconstituição histórica, a ilustração das relações de poder dinâmicas entre as personagens principais e alguns momentos de comicidade a resvalar para o burlesco. Lanthimos fez bem em abdicar (resta saber se em definitivo) do propósito de tentar transmitir verdades universais sobre a humanidade situando-a em universos opressivos onde a crueldade arbitrária é omnipresente. Neste filme mostra humildade suficiente para não insistir em deixar um cunho pessoal a todo o custo, embora certos movimentos de câmara e opções de enquadramento denunciem alguns resquícios de um desejo muito juvenil de dar nas vistas. É impossível discorrer sobre os méritos e insuficiências de A Favorita sem deixar um destaque caloroso para o trabalho extraordinário das três actrizes principais, todas elas nomeadas para os Óscares, com uma palavra suplementar de apreço para a sublime Olivia Colman. O mérito principal do filme é evitar que qualquer uma das suas dimensões ou contribuições (o excelente argumento de Deborah Davis e Tony McNamara, representação, aspectos visuais) se sobreponha às demais: merece elogios a capacidade de Lanthimos de transformar esta complexa soma de partes num filme que corre com fluidez e que se vê com agrado, sobretudo tendo em conta que eram abundantes os riscos de colapso e as ocasiões para se levar demasiado a sério. Será interessante verificar se o sucesso colossal de A Favorita fará com que Lanthimos abandone de vez as suas idiossincrasias e adopte um estilo mais comercial ou universal, correndo o risco de se descaracterizar, como sucedeu a tantos e tão bons antes dele. O Cinéfilo Preguiçoso, apesar do cepticismo em relação ao seu percurso, espera que isso não aconteça: mais vale um realizador com voz própria, ainda que com ocasionais derivas cabotinas e pretensiosas, do que dez realizadores conformados e formatados.