3 de fevereiro de 2019

Nunca Deixes de Olhar | À Porta da Eternidade


Esta semana o Cinéfilo Preguiçoso viu dois filmes: Nunca Deixes de Olhar (2018), de Florian Henckel von Donnersmarck, e À Porta da Eternidade (2018), de Julian Schnabel. Ambos estão em cartaz e são inspirados pela vida e obra de artistas visuais – o primeiro por Gerhard Richter; o segundo por Van Gogh. Nenhum deles convenceu grandemente o Cinéfilo Preguiçoso. Nunca Deixes de Olhar tem a vantagem de abordar uma figura riquíssima, ainda pouco explorada cinematograficamente. Inclui informação histórica e biográfica interessante, fornecida ao realizador pelo próprio artista (embora Richter posteriormente tenha renegado o filme). Um dos problemas fundamentais deste filme, no entanto, é a ambição de apresentar “um fresco” de uma época complicadíssima da história europeia (Segunda Guerra Mundial e o período de pós-guerra que conduziu à construção de muro de Berlim). Esta ambição fá-lo perder-se em personagens secundárias estereotipadas e sem grande densidade (sobretudo o pai da mulher do protagonista, com as suas ligações ao regime nazi). Devido à dispersão narrativa, o espectador com frequência sente que está a ver uma série televisiva de co-produção europeia muito convencional. Nunca Deixes de Olhar não é, contudo, um filme a evitar. Os momentos mais interessantes representam, por vezes de modo comovente, as dificuldades do percurso artístico do protagonista, cheio de dúvidas, de becos sem saída e de recomeços. O título original – Obra sem Autor – chama a atenção para o modo interessantíssimo como o artista em questão manipulou a recepção inicial da sua obra, declarando-a totalmente isenta de ligações entre a arte e a vida, quando afinal, como mais tarde se demonstrou, trabalhou claramente elementos da sua própria história familiar, incluindo fotografias do álbum de família. Acrescente-se que a banda sonora de Max Richter contribui para o envolvimento do espectador ao longo dos 188 minutos de duração do filme. Já em relação a À Porta da Eternidade o Cinéfilo Preguiçoso não está com vontade de ser indulgente. Tendo em conta que Van Gogh é um pintor tão explorado pelo cinema, seria de esperar que Schnabel pensasse melhor antes de fazer um filme tão dispensável e cheio de tiques visuais. A opção pelo ponto de vista de um protagonista perturbado, um mecanismo também bastante gasto, serve de pretexto para o abuso de imagens desfocadas e movimentos de câmara susceptíveis de causar dores de cabeça. Outro elemento irritante do filme é a ênfase na questão da “eternidade da arte” e no tópico do artista enquanto figura eleita e iluminada, em contraste com a incompreensão dos contemporâneos e conterrâneos em relação à sua obra, como se Van Gogh só tivesse preocupações “elevadas”, quando, na realidade, se interessou artisticamente pelos temas mais humildes e quotidianos (botas gastas e cheias de lama, flores, quartos miseráveis, a natureza mais banal) e se debateu com as dificuldades mais comezinhas e prosaicas que possamos imaginar. Nem tudo no filme é mau: Willem Dafoe oferece uma interpretação que, sem ser brilhante, é contida e eficaz; as cenas entre Vincent e o irmão Theo (Rupert Friend) funcionam bem. Por último, é interessante observar como duas abordagens tão diferentes (convencional e televisiva, num caso, autoral no outro) conduzem a filmes igualmente insatisfatórios, ainda que não desprovidos de alguns aspectos redentores.