15 de setembro de 2019

Santiago, Itália


Não se pode dizer que Santiago, Itália (2018) apareça como um objecto estranho na carreira de Nanni Moretti. Já constava da sua filmografia um documentário: La Cosa (1990), sobre a crise de identidade do Partido Comunista Italiano. Além disso, o registo documental está presente, de forma mais ou menos discreta e mais ou menos ficcionada, em filmes como Querido Diário (1993) ou Palombella Rossa (1989). A atenção à realidade sociológica e política, temperada pelo humor e pela ironia, tem sido uma constante nos filmes deste realizador. O mítico desabafo «Diz qualquer coisa de esquerda, D’Alema!» (Abril, 1998) é apenas um dos mais famosos exemplos disso. Santiago, Itália baseia-se em imagens de arquivo e em depoimentos de pessoas que viveram os acontecimentos de Setembro de 1973 no Chile, tendo muitas delas sido forçadas ao exílio. A estratégia de organizar os depoimentos de acordo com uma linha cronológica e de maneira a construir algo parecido com uma narrativa é comum a muitos outros documentários, mas Moretti serve-se habilmente dela para alimentar a curiosidade do espectador. No início, a sucessão de exilados chilenos a exprimirem-se em italiano fluente pode suscitar perplexidade, mas esta vai-se dissipando à medida que é revelado o papel dramaticamente importante da embaixada italiana em Santiago do Chile, que acolheu um número significativo de opositores ao regime de Pinochet e propiciou o exílio destes para Itália. Santiago, Itália é eficaz e tocante não apesar da sua simplicidade formal, mas sim graças a esta. Moretti teve inteligência suficiente para perceber que a história do golpe sangrento que derrubou Allende e das suas sequelas, contada por aqueles que as viveram, dispensa artifícios para ser eloquente. Além deste mérito, saúde-se, num dos momentos mais fortes do filme, a afirmação frontal de que o documentarista não tem de ser imparcial, feita pelo próprio Moretti numa de apenas duas vezes em que aparece em frente à câmara, em confronto com o sequestrador e assassino Eduardo Iturriaga. Perante determinadas realidades, não há imparcialidade possível. Numa altura em que a canalhice política chega ao ponto de branquear ou exaltar a ditadura de Pinochet (vide Bolsonaro) e de perseguir aqueles que salvam a vida a refugiados (vide Salvini), constatar o óbvio – neste caso, que um presidente democraticamente eleito foi derrubado e que milhares de pessoas sofreram horrores por causa disso, e teriam sofrido ainda mais sem a generosidade alheia – pode ser a coisa mais urgente do mundo. 

Sobre o filme Minha Mãe (real. Nanni Moretti, 2015).