19 de abril de 2020

Sideways


Sem acesso às salas de cinema, o Cinéfilo Preguiçoso aproveita a oportunidade para ver filmes que vão passando pelos canais de televisão. Sideways (2004), baseado no romance de Rex Pickett com o mesmo título, contribuiu para consolidar a reputação de Alexander Payne como um dos mais promissores entre a geração de realizadores norte-americanos nascidos nos anos 60 e activos desde os anos 90 – a par, por exemplo, de Noah Baumbach e Wes Anderson. O argumento (premiado com um Óscar) centra-se em dois amigos – um professor de Inglês com pretensões a escritor e um actor – que, na semana que precede o casamento do segundo, fazem uma excursão a uma região vinícola da Califórnia. Aquilo que fora planeado como uma espécie de despedida de solteiro descontraída transforma-se numa sucessão de pequenas aventuras tragicómicas e encontros amorosos, devido à inquietação do actor perante a iminência do matrimónio e à sua vontade de aproveitar as liberdades da vida de solteiro enquanto pode. Sideways percorre um catálogo de temas e lugares-comuns cinematográficos que qualquer espectador reconhecerá: a amizade masculina que sai reforçada de todas as provações apesar da diferença de temperamentos, o road movie, as atribulações do escritor falhado, a crise de meia-idade, um casamento ameaçado pelo pânico de um dos noivos. Não se pode dizer que estes temas sejam aqui explorados de forma particularmente inovadora. Mais do que pela originalidade, este filme distingue-se pelo argumento fluido e eficaz, pela maneira inteligente como explora o espaço (a liberdade da auto-estrada coexiste com a claustrofobia das pequenas estradas secundárias e do motel a que os dois amigos regressam sempre no final de cada dia) e pelas interpretações. Paul Giamatti é, como seria de esperar, soberbo no papel do aspirante a escritor; Virginia Madsen e Sandra Oh (que mais tarde alcançaria fama mundial na série Anatomia de Grey) distinguem-se também pela positiva. Sideways é fértil em metáforas sobre vinho, ligadas ao esforço humano necessário para produzir uma garrafa desta bebida, ao processo de envelhecimento e à necessidade de agarrar as oportunidades da vida sem esperar por uma ocasião ideal que pode nunca chegar; estas metáforas são relativamente interessantes em si, mas algumas vezes parecem um pouco forçadas. Mais do que as alegorias enológicas, talvez o aspecto que acaba por valorizar o filme seja a maneira como a personagem principal, deprimida pela sucessão de infortúnios, é salva (quase diríamos literalmente) pelo manuscrito do seu romance: apesar de rejeitado pela editora, o livro é lido e admirado pela empregada de mesa que ele tentara desastradamente seduzir. A possibilidade de a literatura conduzir a uma conexão emocional capaz de mudar vidas, inalcançável por outra via, pode ser também um lugar-comum, mas em Sideways esta possibilidade é sugerida com sobriedade e uma saudável equidistância entre o cinismo que parece a ponto de tomar conta da personagem e a possibilidade de um final feliz.