Visto
em DVD, O Parque (2016), de Damien Manivel, conta uma história do tempo
em que se podia marcar um encontro num parque e aí passar uma tarde sem se
correr risco de contágio. Na conversa de circunstância desprovida de fluência e
no carácter convencional dos gestos dos protagonistas, a banalidade desta
primeira saída de um rapaz e de uma rapariga é quase anti-rohmeriana, em
contraste com os percursos do protagonista de Un jeune poète (2014), o
filme de Manivel imediatamente anterior a este. A própria aparência física e a juventude
dos protagonistas remetem mais para a tradição do filme francês sobre paixões
da adolescência do que para Rohmer. Acontece, no entanto, que, antes do fim da
tarde, a partida abrupta do rapaz muda tudo: a banalidade e as convenções dos
filmes sobre a juventude desaparecem com o ocaso. À medida que a noite cai, a
rapariga, que ficou sentada no relvado, troca com o rapaz uma série de
mensagens em que há uma revelação inesperada. À noite, o parque, a relação
incipiente das personagens e o filme parecem muito diferentes, recordando o
cinema de Apichatpong Weerasethakul, pela fusão entre o real e o sobrenatural, ou
um filme como O Desconhecido do Lago (2013), de Alain Guiraudie, pelo
ambiente crepuscular que se instala, remetendo para o cinema de terror ou para
certos contos tradicionais infantis. O carácter convencional dos gestos da
tarde é substituído por uma coreografia estranha da rapariga abandonada (recorde-se que
Manivel começou a carreira artística como bailarino de dança contemporânea), em
que esta, depois de exprimir o desejo de voltar atrás no tempo, percorre o
parque literalmente às arrecuas, para consternação do vigilante nocturno, que
rapidamente é sugado pela imaginação e pelo desespero desta personagem.
Quem nunca se perguntou sobre o que acontece em certos lugares públicos
(parques, museus, bibliotecas) quando os visitantes não estão (ou não deviam
estar) lá? Entre outros sons e imagens difíceis de decifrar na escuridão, há
uma coruja branca e a rapariga e o vigilante atravessam de barco uma espécie de
lago de esquecimento. Nesta secção de O Parque, depois do conteúdo ténue dos
diálogos da primeira metade, as palavras desaparecem quase completamente. O
filme termina na manhã do dia seguinte: a rapariga acorda no parque e regressa
a casa. O espaço público parece tornar-se novamente inócuo e familiar, mas
tanto a personagem como os espectadores deste filme extraordinário sabem que
não é assim.
Na
próxima semana não haverá Cinéfilo Preguiçoso, mas, como de costume, voltaremos
a seguir à Páscoa. Boa pausa para todos.