5 de abril de 2020

O Parque


Visto em DVD, O Parque (2016), de Damien Manivel, conta uma história do tempo em que se podia marcar um encontro num parque e aí passar uma tarde sem se correr risco de contágio. Na conversa de circunstância desprovida de fluência e no carácter convencional dos gestos dos protagonistas, a banalidade desta primeira saída de um rapaz e de uma rapariga é quase anti-rohmeriana, em contraste com os percursos do protagonista de Un jeune poète (2014), o filme de Manivel imediatamente anterior a este. A própria aparência física e a juventude dos protagonistas remetem mais para a tradição do filme francês sobre paixões da adolescência do que para Rohmer. Acontece, no entanto, que, antes do fim da tarde, a partida abrupta do rapaz muda tudo: a banalidade e as convenções dos filmes sobre a juventude desaparecem com o ocaso. À medida que a noite cai, a rapariga, que ficou sentada no relvado, troca com o rapaz uma série de mensagens em que há uma revelação inesperada. À noite, o parque, a relação incipiente das personagens e o filme parecem muito diferentes, recordando o cinema de Apichatpong Weerasethakul, pela fusão entre o real e o sobrenatural, ou um filme como O Desconhecido do Lago (2013), de Alain Guiraudie, pelo ambiente crepuscular que se instala, remetendo para o cinema de terror ou para certos contos tradicionais infantis. O carácter convencional dos gestos da tarde é substituído por uma coreografia estranha da rapariga abandonada (recorde-se que Manivel começou a carreira artística como bailarino de dança contemporânea), em que esta, depois de exprimir o desejo de voltar atrás no tempo, percorre o parque literalmente às arrecuas, para consternação do vigilante nocturno, que rapidamente é sugado pela imaginação e pelo desespero desta personagem. Quem nunca se perguntou sobre o que acontece em certos lugares públicos (parques, museus, bibliotecas) quando os visitantes não estão (ou não deviam estar) lá? Entre outros sons e imagens difíceis de decifrar na escuridão, há uma coruja branca e a rapariga e o vigilante atravessam de barco uma espécie de lago de esquecimento. Nesta secção de O Parque, depois do conteúdo ténue dos diálogos da primeira metade, as palavras desaparecem quase completamente. O filme termina na manhã do dia seguinte: a rapariga acorda no parque e regressa a casa. O espaço público parece tornar-se novamente inócuo e familiar, mas tanto a personagem como os espectadores deste filme extraordinário sabem que não é assim.

Na próxima semana não haverá Cinéfilo Preguiçoso, mas, como de costume, voltaremos a seguir à Páscoa. Boa pausa para todos.