31 de maio de 2020

Quarto 212


A História do cinema está cheia de filmes sobre casais cuja separação temporária, na sequência de uma discussão, serve para reavaliarem a sua vida e, na maioria dos casos, se reconciliarem. Precedentes tão notáveis como L’Atalante (Jean Vigo, 1934) ou Eyes Wide Shut (Stanley Kubrick, 1999) não demoveram o francês Christophe Honoré de fazer mais um filme sobre este tema. Quarto 212 (2019), gravado na RTP1, começa com a descoberta, por parte de Richard (Benjamin Biolay), da infidelidade da mulher, Maria (Chiara Mastroianni). Depois de uma discussão, esta decide sair de casa e instalar-se no hotel do outro lado da rua. Durante a noite que passa no hotel, Maria é visitada por figuras do passado, incluindo numerosos amantes, o próprio marido muitos anos mais jovem, e Irène, a mulher que só então ela percebe ter sido o grande amor da vida dele. Os diálogos que daqui resultam ajudam Maria a reaproximar-se de Richard, que, entretanto, visivelmente angustiado pela solidão, deambula pelo apartamento visível através da janela do quarto de hotel. O aspecto mais original do filme consiste na contaminação da realidade por estas personagens que, até aí, o espectador se sentia no direito de considerar emanações da mente de Maria: o jovem Richard atravessa a rua e convive com a sua versão de meia-idade, Irène tenta persuadir o Richard mais velho a voltar para ela e construir a família com que sempre sonhou. Há que reconhecer arrojo a Honoré na maneira como mistura alegremente os planos temporais e como coloca em pé de igualdade a realidade no presente da narrativa e várias realidades alternativas. O filme, contudo, ressente-se por ter diálogos banais num tom próximo da comédia de vaudeville, assim como um final feliz pouco convincente, acabando por não resultar plenamente nem como comédia nem como eventual tentativa de aprofundar os mecanismos da paixão e da conjugalidade. Ao longo da sua carreira, Honoré tem demonstrado propensão para a ousadia formal e para subverter (embora sem a malícia quase iconoclasta de um François Ozon, seu contemporâneo) temas e abordagens tradicionais, sem que alguma vez tenha mostrado capacidade de realizar um filme verdadeiramente memorável. Embora mais interessante do que o frouxo Metamorfoses (último filme deste realizador visto pelo Cinéfilo Preguiçoso), Quarto 212 é mais um exemplo disso: longe do falhanço, mas aquém do que poderia ter sido.