17 de maio de 2020

Ne Change Rien


Deve haver poucos países no mundo em que as fronteiras entre a representação e a canção sejam tão porosas como em França, onde a abundância de actores/actrizes que cantam e cantores/cantoras que representam é extraordinária. Jeanne Balibar, que encontrou tempo para dois álbuns, numerosas colaborações e uma digressão no meio de uma carreira de actriz muito preenchida e meritória, é exemplo disso. Em Ne Change Rien (2009), gravado num canal de televisão, Pedro Costa filma Balibar e os seus colaboradores em ensaios, em concertos e em pequenas improvisações de bastidores. Balibar mostra um talento vocal bastante limitado, que nem o trabalho centrado na dicção e na cadência compensa, ao contrário, por exemplo, de Jeanne Moreau, que soube encontrar estratégias para superar a falta de dotes para o canto e construir uma discografia francamente interessante. No entanto, este está longe de ser o problema principal de Ne Change Rien. A estratégia de Costa consiste apenas em captar momentos do trabalho colectivo, sem qualquer critério ou ideia de cinema claros. Se o objectivo era meramente documental, não se percebe por que razão escolheu esta cantora em vez de outras centenas de artistas muito mais interessantes. Se o objectivo era revelar alguma verdade escondida sobre o processo de criação artística, seria preciso outro tipo de investimento na planificação ou na montagem: compare-se com One + One (1968), de Godard, outro filme documental sobre o trabalho de grupo em torno da construção de um objecto musical. O que resulta desta indefinição são longos planos de Balibar, incapaz de ceder à tentação de “fazer de Balibar”, enquadramentos pseudo-sofisticados e uma iluminação de contraste fortíssimo, que denuncia a pretensão frustrada de fazer um filme visualmente ousado e artístico. A decepção torna-se ainda maior se nos lembrarmos da anterior, e brilhante, incursão de Costa no domínio do documentário: Onde Jaz o teu Sorriso? (2001), em que o cruzamento entre trabalho e criação (a montagem do filme Sicilia! por Huillet e Straub) era mostrado de forma muito mais subtil e cativante. É instrutivo comparar a “actuação” de Jeanne Balibar neste filme com o seu desempenho em Barbara (2017). Uma actriz será sempre uma actriz, e sair-se-á melhor quando o esforço de representação for assumido do que encerrando-se num registo supostamente naturalista e realista que se revela estéril.