12 de julho de 2020

Martin Eden


Visto no cinema (numa sala deserta à excepção de outro espectador, o que deixou o Cinéfilo Preguiçoso inquieto quanto ao futuro da exibição cinematográfica em Portugal), Martin Eden (2019), realizado por Pietro Marcello, é uma adaptação do romance com o mesmo título de Jack London, publicado em 1909. A história, protagonizada por um jovem de origens humildes que tenta tornar-se escritor, foi transposta para Itália, numa época incerta, embora certos elementos (roupa, automóveis) pareçam remeter para os anos 70. O estilo que o realizador imprime ao filme é um híbrido entre, por um lado, a linearidade no desenvolvimento do enredo e, por outro, as inserções de imagens de arquivo e de sequências aparentemente desligadas da narrativa principal, naquilo que se pode ver como um reflexo da carreira de documentarista de Marcello (Martin Eden é apenas a sua segunda longa-metragem de ficção). Esta mistura de registos ajuda a reforçar algumas das ideias subjacentes ao percurso de Martin e reforça uma impressão de intemporalidade que evita uma leitura demasiado presa a determinada época. Infelizmente, se nos abstrairmos desta abordagem relativamente original, o que fica é um filme convencional, repleto de motivos já explorados até à exaustão por outros cineastas e escritores: o proletário apaixonado por uma filha de família burguesa, a tomada de consciência política, as agruras da vida de artista, etc. A mensagem política que Martin veicula, influenciada por Herbert Spencer e Nietzsche, defendendo a exaltação do indivíduo e opondo-se tanto ao socialismo como ao liberalismo, vai-se progressivamente transformando numa caricatura de si própria. Talvez a intenção fosse essa: o próprio London declarou que pretendia criticar a postura hiperindividualista do herói. A impressão com que se fica, em vez da ambiguidade fecunda que talvez Marcello almejasse, é de estranheza, alguma irritação e, acima de tudo, falta de vontade de revisitar mentalmente o filme para nele descobrir alguma interpretação mais interessante que tenha escapado. É também de lamentar algum abuso dos estereótipos do neo-realismo, que se reflecte no abuso da berraria e do esbracejar nas interpretações. Quanto ao prémio de melhor interpretação do Festival de Veneza, atribuído a Luca Marinelli pela sua aula magistral de overacting, mais vale nem comentar.