19 de julho de 2020

A Nossa Irmã Mais Nova


Curiosamente, há vários filmes do realizador japonês Hirokazu Kore-eda disponíveis nos videoclubes das operadoras de telecomunicações. O Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver A Nossa Irmã Mais Nova (2015), baseado num popular manga de Akimi Yoshida. É um filme extraordinariamente tranquilo, com algumas irrupções emocionais aqui e ali, que apontam para a profundidade dos sentimentos das personagens. O enredo gira em torno de três irmãs que vivem juntas na casa grande que pertenceu aos pais. Por altura do funeral do pai, há muito afastado da família, conhecem a meia-irmã, cujo nascimento precipitou o fim do casamento dos pais e a partida da mãe delas. Percebendo que também esta meia-irmã ficou sozinha no mundo, convidam-na para viver com elas. Encontramos aqui algumas tonalidades características de autores como Tchékhov e Ozu. Como em Tchékhov, as irmãs de Kore-eda parecem suspensas no tempo e sem capacidade ou vontade de tomarem uma decisão que as projecte para uma vida diferente. Como em Ozu, no entanto, explora-se a nobreza deste estatuto, sobretudo no que toca à personagem de Sachi, a irmã mais velha, com a sugestão de que talvez ela seja mais feliz por dedicar aos outros a protecção que nunca recebeu no passado. Recordando certas personagens de Mikio Naruse, Sachi parece sempre à beira de tomar uma decisão sobre a sua vida; se acaba por não o fazer, é por reconhecer a necessidade de que a família encontre a paz e se reconcilie com o passado antes de entrar numa nova etapa, e não por fraqueza. A continuidade da família expressa-se de vários modos, como, no dia do fogo-de-artifício, através da transferência de quimonos entre as personagens femininas, mas sobretudo através da insistência em vários rituais de preparação de alimentos e bebidas a que estão associadas as memórias das personagens ausentes: as tostas com peixe miúdo, o vinho de ameixa, o caril de peixe, a enguia frita ou marinada. Como muitas destas personagens ausentes evocam mágoas, é frequente as irmãs recorrerem a esta linguagem culinária para expressarem os sentimentos que não podem ou não querem verbalizar perante as outras. É interessante apreciar o contraste com A Verdade (2019), que partilha alguns dos temas de A Nossa Irmã Mais Nova, mas num registo marcado por explosões emocionais e conflitos mais apropriados ao contexto cultural ocidental do filme. Além da capacidade de Kore-eda para expressar sentimentos intensos através de superfícies calmas, sobressai neste filme a ideia de que a beleza da vida reside nas pequenas coisas capazes de persistirem, repetindo-se através do tempo. Durante o filme, uma personagem comenta que se sente feliz por ter conseguido manter até à morte a capacidade de admirar a beleza e nós ficamos a pensar que talvez esse seja o dom que mais interessa preservar.
 
Sobre Depois da Tempestade (Hirokazu Kore-eda, 2016).