Há muitos filmes que falham porque são simplesmente medíocres. Sobre esses, não há muito a dizer. Pelo contrário, é quase sempre instrutivo tentar perceber por que motivo filmes artisticamente ambiciosos ficam aquém do que poderiam ser. No recente festival LEFFEST, o Cinéfilo Preguiçoso viu Decisão de Partir (2022), de Park Chan-Wook (já em exibição nas salas), e Master Gardener (2022), de Paul Schrader. O filme de Park é um thriller sobre um detective que se apaixona pela principal suspeita de um homicídio. O argumento intrincado faz lembrar Vertigo (1958), pela maneira obsessiva como o detective vigia a mulher e também por causa da reaparição desta ao fim de algum tempo, proporcionando uma segunda oportunidade para a obsessão se manifestar. O problema é que, se excluirmos esta colagem cinéfila (intencional ou não), que aliás pouco tem de original, Decisão de Partir se reduz praticamente a um thriller engenhoso, dotado de uma sucessão de reviravoltas e pormenores que acabam por cansar. Nisto, aliás, está alinhado com a maioria dos filmes deste género no cinema contemporâneo: a intenção de construir um enigma refinado e ambíguo com facetas que vão sendo reveladas a pouco e pouco, num jogo do gato e do rato com as expectativas do espectador, sobrepõe-se quase sempre à substância. Sai-se destes filmes com a sensação de que nada acrescentam nem ao mundo nem ao cinema. Master Gardener centra-se num jardineiro encarregado de ensinar o seu ofício à sobrinha-neta da viúva abastada para quem trabalha, mas que acaba por se envolver romanticamente com a primeira. É mais uma variação do tema que Schrader explora há décadas como realizador e argumentista: um homem (nunca uma mulher, curiosamente) assombrado por um segredo ou desgosto no seu passado e/ou pela consciência de viver numa sociedade corrupta, e que, no cumprimento da sua profissão (taxista, sacerdote, jogador), se envolve com alguém que o leva a sentir a necessidade de levar a cabo um acto violento e radical. O Cinéfilo Preguiçoso já explicou numerosas vezes que nada tem contra cineastas que se repetem. No entanto, devido a esta insistência numa receita invariante, o filme corre o risco de resvalar para a irrelevância ou para a autoparódia, sobretudo se a comparação com as obras anteriores for desfavorável. O argumento de Master Gardener é mais incoerente do que os de No Coração da Escuridão (2017) e The Card Counter (2021); Joel Edgerton, no papel de jardineiro com um passado de violência e activismo nazi, não está ao nível de Ethan Hawke nem de Oscar Isaac; o terço final do filme parece escrito à pressa e é pouco convincente; a relação entre o jardineiro e a jovem discípula carece de credibilidade. Apesar de a primeira metade de Master Gardener, em que vemos o jardineiro entregar-se às suas actividades meticulosas e à relação ambígua com a dona dos jardins, ser sóbria e bem conseguida, estas falhas transmitem a impressão de que Schrader começa a ficar sem ideias e alternativas para contar mais uma vez a sua história predilecta. Em conclusão, podemos dizer que há muitas maneiras de falhar um filme, que podem ter a ver, no caso Park Chan-Wook, com a falta de originalidade e, no caso de Schrader, com a obstinação de trabalhar sempre a mesma fórmula. É mais uma razão para admirarmos as improváveis obras-primas com que, afortunadamente, nos deparamos de vez em quando.
Outros filmes de Paul Schrader no Cinéfilo Preguiçoso: No Coração da Escuridão (2017), The Card Counter (2021).