15 de julho de 2018

No Coração da Escuridão


No Coração da Escuridão (2017, tradução pseudoconradiana do título original, First Reformed), de Paul Schrader, usa a estrutura de Diário de Um Pároco de Aldeia (1951), de Robert Bresson – em que um padre com problemas de saúde vai escrevendo um diário sobre o seu quotidiano –, articulando-a com um enredo sobre crise ambiental e ecoterrorismo. Sem dúvida, é um filme belíssimo, que, coisa rara, causa desconcerto e deixa a pensar, mas tem alguns problemas. Em primeiro lugar, o tom apocalíptico persistente, embora não sendo desajustado dos tempos retratados, percorre o filme como uma vaga de disforia destrutiva que não admite tensão e, lembrando um tanque de guerra, arrasa qualquer subtileza que lhe aparece pela frente. Se pensarmos em filmes como os de Bresson ou Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, com argumento do mesmo Paul Schrader, a disforia está bem presente e não se torna mais fraca – muito pelo contrário – por enfrentar correntes opostas de redenção, no caso de Bresson, e até, em Taxi Driver, de euforia (presa no círculo fechado da sua própria vertigem discursiva e emocional, mas euforia). É verdade que o protagonista de Paul Schrader, graças à magnífica interpretação de Ethan Hawke, entre a delicadeza, a agressividade e o desequilíbrio, cria um espaço de resistência ao peso e à destruição do filme. Este protagonista, no entanto, é cilindrado pelo enredo, que o obriga a chamar a si a herança e a lógica depressiva do comportamento de uma personagem secundária paradoxalmente disposta a cometer um atentado bombista para proteger a vida e a Natureza. Além dos filmes de Bresson e de Scorsese, No Coração da Escuridão recorda, pelo tom e pelo tema, Night Moves (2013), de Kelly Reichardt; há também uma cena de levitação sobre fundo cósmico que parece decalcada de Que o Diabo Nos Carregue (2017), de Brisseau (e que faz também lembrar O Estranho Caso de Angélica, o filme de 2010 de Manoel de Oliveira – existe o risco real de a levitação se tornar um cliché cinematográfico). Estas evocações parecem menos inesperadas se tivermos em mente a cinefilia de Schrader. Por motivos visuais e dramáticos, a sequência final é extremamente poderosa – Paul Schrader aprecia os gestos bombásticos e teatrais, e é verdade que isso dá força aos seus filmes. A questão é que quando se destrói tudo à força, depois não resta nada. Talvez por esse motivo – avaliação a confirmar daqui a alguns anos –, No Coração da Escuridão, apesar de vigorosíssimo, não consegue ser realmente uma obra-prima.