14 de janeiro de 2024

Folhas Caídas

Um cinéfilo que entra numa sala para ver o filme mais recente de Aki Kaurismäki sabe com o que pode contar e não espera surpresas. O realizador finlandês não costuma desviar-se dos seus temas predilectos nem do estilo que foi apurando e consolidando ao longo dos anos. Ainda assim, encontram-se em Folhas Caídas (2023) mais semelhanças com as suas obras dos anos 80 e 90, quase sempre protagonizadas pelos extraordinários Matti Pellonpää e Kati Outinen, do que com os seus filmes mais recentes. Em particular, o enredo, que gira em torno de um operário e de uma funcionária de supermercado que se encontram por acaso e se apaixonam, é quase decalcado de Sombras no Paraíso (1986). Uma das características mais notáveis do cinema de Kaurismäki é a coexistência de personagens e cenários que parecem intemporais, quase antiquados, com uma atenção muito aguda a problemas sociais e a questões contemporâneas. Neste filme, a guerra na Ucrânia e a precariedade laboral estão sempre presentes, tal como a questão dos refugiados estava nas duas longas-metragens anteriores. As personagens de Kaurismäki são uma emanação da cinefilia do seu criador, parentes próximos das de Godard, Bresson ou Jarmusch – todos, aliás, citados explicitamente em Folhas Caídas. Contudo, têm uma humanidade extremamente credível e nenhuma cena nos deixa esquecer que são criaturas de carne e osso, tão capazes de sofrer como de perseverar na busca da felicidade. O enredo deste filme é muito simples, talvez até mais do que tem sido a norma neste cineasta. A trajectória de encontro, afastamento e reencontro, condimentada com mal-entendidos e acidentes, não é substancialmente diferente de centenas de outras histórias que o cinema já contou. O atropelamento do protagonista traz ecos daquele que Deborah Kerr sofre em An Affair To Remember (Leo McCarey, 1957). Não é difícil encontrar aqui laivos do realismo poético francês, ou do cepticismo que a modernidade suscita a Tati ou Eugène Green, por exemplo. O facto de Kaurismäki continuar a fazer filmes que não se parecem com quaisquer outros, apesar de todas estas cumplicidades e influências, é uma demonstração eloquente da sua personalidade artística. Folhas Caídas demonstra ainda três outras coisas: Kaurismäki possui um talento único para inserir números musicais de um kitsch maravilhoso, que não interferem na narrativa, mas estão muito longe de serem gratuitos; o seu humor deadpan, apesar de doseado com parcimónia, continua bem vivo; o director de fotografia Timo Salminen é um génio. Folhas Caídas recebeu um justíssimo Prémio do Júri no último Festival de Cannes.
 
Outro filme de Aki Kaurismäki no Cinéfilo Preguiçoso: O Outro Lado da Esperança (2017).