O Cinéfilo Preguiçoso viu recentemente dois filmes que, embora estimáveis, se ressentem de alguma falta de ousadia. Dias Perfeitos (Wim Wenders, 2023) segue o quotidiano de um homem japonês de meia-idade cuja profissão consiste em limpar casas de banho públicas. Na génese deste filme esteve um convite para Wenders realizar uma série de pequenos filmes sobre instalações sanitárias de Tóquio que tinham sido renovadas, mas o cineasta alemão optou por fazer uma longa-metragem de ficção. Dias Perfeitos tem alguns momentos bem conseguidos, mas nunca foge muito ao que seria de esperar por parte de um realizador ocidental decidido a exaltar as qualidades de serenidade, minimalismo e estoicismo tantas vezes associadas, por vezes de forma simplista, à cultura oriental. É difícil não gostar de um filme que nos mostra uma personagem simpática e altruísta a tentar viver a vida de forma digna e correcta, ainda por cima com uma banda sonora que conta com Lou Reed, Van Morrison ou Patti Smith, mas Dias Perfeitos muito raramente supera esse patamar estético consensual. Compreende-se que a preocupação com a economia narrativa tenha levado Wenders a não revelar muitos antecedentes da personagem, mas talvez alguma explicação sobre a história familiar do protagonista, que adivinhamos conflituosa, o tivesse convertido em algo mais do que um mero executor de gestos e coleccionador de impressões. Quase quarenta anos depois de Tokyo-Ga (1985), ainda não foi desta que Wenders fez um filme plenamente convincente sobre o Japão. Em Sobre L’Adamant (2023), Nicolas Philibert acompanha o quotidiano de um centro de dia parisiense para pessoas com doença mental, que se distingue pela localização (em pleno rio Sena, imitando um barco) e por uma abordagem terapêutica que privilegia as dinâmicas de grupo e as actividades artísticas. É inevitável presumir que Philibert foi influenciado por Frederick Wiseman: a sua abordagem consiste em filmar as pessoas e os espaços, sem voz-off nem estrutura explícita, mas sem nunca deixar o espectador esquecer que existem uma câmara, uma equipa e um olhar. No entanto, ao contrário de Wiseman, que presta sempre muita atenção ao enquadramento institucional e às estruturas hierárquicas dos lugares que aborda, Sobre L’Adamant concentra-se nas interacções de funcionários e doentes e nas entrevistas com estes – alguma delas extremamente interessantes por aquilo que revelam sobre a criatividade e a lucidez de alguns frequentadores da instituição. Tal como em Dias Perfeitos, a impressão predominante é a de um documentário correcto e com muitos motivos de interesse, mas ao qual falta originalidade e capacidade disruptiva para sobressair. São dois filmes que parecem procurar o consenso, e que o conquistaram, tendo em conta a profusão de elogios da crítica e de prémios: Sobre L’Adamant foi, aliás, um inesperado Urso de Ouro em Berlim, e Dias Perfeitos é um candidato forte ao Óscar de melhor filme internacional, embora tenha de enfrentar a concorrência de The Zone of Interest (Jonathan Glazer, 2023) – por sinal, um filme que o Cinéfilo Preguiçoso não tem qualquer interesse em ver.
Outros
filmes de Wim Wenders no Cinéfilo Preguiçoso: A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty (1972), Tokyo-Ga (1985), Os Belos Dias de Aranjuez (2016).