7 de janeiro de 2024

A Virgem de Agosto

Para começar bem o ano de 2024, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver um filme de um realizador que descobriu com prazer em 2023: A Virgem de Agosto (Jonás Trueba, 2019, disponível em DVD). Logo no início, encontramos a protagonista em conversa com um amigo que lhe vai emprestar um apartamento no centro de Madrid durante o mês de Agosto. A propósito da força das personagens femininas nos filmes das décadas de 1930 e 1940, o proprietário da casa refere o livro Buscas da Felicidade, de Stanley Cavell. No cinema de Trueba, as referências literárias não costumam ser indicações de sentido (em geral, são apenas elementos normais das conversas entre as personagens). Neste filme, no entanto, Trueba presta realmente mais atenção à perspectiva feminina: temos uma mulher chamada Eva como protagonista e Trueba escreveu o guião em parceria com a actriz principal, Itsaso Arana. Talvez seja o filme mais rohmeriano que o Cinéfilo Preguiçoso já viu deste realizador – tanto Têm de Vir Vê-la (2022) como Os Exilados Românticos (2015) se distinguem por uma identidade autoral mais forte. Na deriva pela cidade, na estranheza e irracionalidade das suas esperanças, nos encontros e coincidências em que se vê envolvida, e também no desfecho inesperado, Eva recorda inevitavelmente as protagonistas de O Raio Verde (1986) e Conto de Inverno (1992), embora fale e chore muito menos do que elas e explique muito menos quem é. Sobre Eva, só ficaremos a saber que tem 33 anos, foi actriz, mas quer deixar de o ser, e teve uma relação problemática com alguém que terminou há pouco tempo. Outro elemento rohmeriano é o Verão e a diferença de ritmo e energia que nessa época se instala nas cidades. Ao contrário de Delphine, em O Raio Verde, Eva fica na cidade durante o Verão; para ambas, no entanto, o Verão é um período de transformação. A porta de entrada do prédio em que a protagonista se instala temporariamente tem uma fechadura caprichosa, que dá origem a dois dos seus encontros mais importantes – uma vizinha que é artista, e uma velha amiga de quem se tinha distanciado, ambas com preocupações relacionadas com a maternidade. Os percursos diurnos e nocturnos das personagens passam por um museu, um cinema, esplanadas, bares ao ar livre, festas religiosas e uma praia fluvial. No final do filme, na sequência de mais um encontro fortuito, Eva anuncia que está grávida. Este acontecimento é o culminar do seu percurso de autodescoberta ou uma nota de rodapé? A Virgem de Agosto é um filme singularmente escasso em respostas mas que, como é habitual em Trueba, nos mostra o fluxo da vida com uma precisão e uma intensidade invulgares.