12 de maio de 2024

Benediction

Terence Davies, um dos maiores realizadores britânicos de sempre, morreu em Outubro do ano passado. Depois de ter esperado em vão pela estreia em sala da sua última obra, Benediction (2021), o Cinéfilo Preguiçoso decidiu comprar o DVD. Debruçando-se sobre a vida e obra do poeta inglês Siegfried Sassoon (1886-1967), é inevitável que Benediction evoque o filme imediatamente anterior deste realizador, em que Emily Dickinson era a figura central, e sobre o qual escrevemos: «em A Quiet Passion a vida é feita de literatura.» No caso de uma escritora como Dickinson, que viveu uma vida recatada e com poucos acontecimentos dignos de nota, qualquer abordagem biográfica é inevitavelmente uma abordagem à obra. Sassoon, pelo contrário, viveu peripécias com interesse intrínseco. Durante a Primeira Guerra Mundial, recebeu uma medalha por actos de bravura e escreveu uma carta de protesto contra a estratégia de condução deste conflito que lhe valeu o internamento num hospital militar, para tratamento de suposta neurastenia. Depois da guerra, teve numerosas ligações amorosas com homens, incluindo com o famoso actor e compositor Ivor Novello, antes de se decidir a casar (com uma mulher); mais tarde, retirou-se para uma casa no campo e converteu-se ao catolicismo. No filme de Davies, a guerra de 1914-1918 é tratada como a fase decisiva da vida de Sassoon, devido não só ao já referido acto de rebeldia, mas também à morte do poeta Wilfred Owen, de quem era próximo, e à importância que a experiência de combate teve nos seus poemas, que denunciam os horrores das trincheiras e o absurdo do conflito armado. O resto da vida parece um longo anticlímax: as ligações sentimentais sucedem-se, sem nunca conduzirem à felicidade; o casamento aparece como uma solução insatisfatória; o sentimento de que o mundo avança, deixando Sassoon à margem, torna-o amargo. Embora estes episódios biográficos, narrados cronologicamente (com algumas prolepses súbitas e inesperadas), não digam respeito directamente à obra poética, contribuem para caracterizar o biografado nas suas diversas facetas – ao contrário do que sucedia em Dança Primeiro (2023), onde a componente biográfica era estéril, além de mal servida por diálogos frouxos e por um argumento pouco imaginativo. Por fim, mencione-se a maneira como Davies usa a música e as canções como elemento narrativo: são não só um meio para nos situar num certo tempo e numa certa atmosfera, mas também, e sobretudo, momentos de partilha, factores de coesão social e fonte de memórias para o futuro. Benediction é um filme que, apesar de algum excesso de sentimentalismo e de não reproduzir a originalidade e o rigor formal de alguns dos seus filmes de início de carreira, ajuda a perceber a enormidade da perda representada pelo desaparecimento de Terence Davies.