28 de abril de 2024

Dança Primeiro

Será que os realizadores lêem o Cinéfilo Preguiçoso e reflectem sobre as críticas que fazemos? Às vezes, quase parece que assim é. Há nove anos, tomámos nota do excesso de sentimentalismo que caracterizava The Theory of Everything (2014), sobre a vida do físico Stephen Hawking. Três longas-metragens mais tarde, em Dança Primeiro (2023, visto no videoclube), Marsh volta a aventurar-se nos terrenos do filme biográfico. Talvez numa tentativa de emular o estilo do biografado, Samuel Beckett, Marsh e o argumentista Neil Forsyth optaram por um registo sóbrio e (inexpressivamente) isento de sentimentalismo. A estrutura narrativa do filme baseia-se num diálogo imaginário entre Beckett e um seu alter ego, ou voz da consciência, no dia em que recebe o prémio Nobel da literatura. Esse diálogo serve de pretexto para relembrar episódios da vida do escritor: o conflito com a mãe, a mudança de Dublin para Paris, a relação com James Joyce e a filha deste, o encontro com a futura mulher, a participação na resistência, a longa relação com uma editora da BBC. O grande problema de Dança Primeiro é esgotar-se na componente biográfica. Só muito esporadicamente faz referência à obra de Beckett ou à sua actividade criativa. É de supor que Marsh tenha querido evitar os desvarios em que incorrem, muitas vezes, os filmes que tentam a todo o custo encontrar paralelismos entre vida e obra, ou que ambicionam propor equivalentes visuais ou narrativos para o génio e o processo criativo – como, por exemplo, no patético À Porta da Eternidade (2018), de Julian Schnabel. O resultado, contudo, é pobre, porque a vida de Beckett, apesar de movimentada e cheia de peripécias fora do comum, tem escasso interesse por si só. Os diálogos indigentes, que se admite procurarem ser fiéis a uma certa impressão de minimalismo e simplicidade nos diálogos e peças deste autor, não ajudam nada. No meio de tudo isto, um grande actor como Gabriel Byrne tem poucas hipóteses de se distinguir: louve-se-lhe, ainda assim, a capacidade para compor um Beckett credível, com a dose certa de perplexidade perante a estranha sorte que a vida lhe reservou. Como nota final, recordemos que Marsh foi o realizador do notável Man on Wire (2008), um documentário sobre o funâmbulo que caminhou sobre um cabo estendido entre as torres do World Trade Center. Em face do convencionalismo e da ausência de interesse dos filmes que lhe conhecemos, há razões para admitir que este não foi um caso feliz de transição do documentário para a ficção.