30 de julho de 2017

A Quiet Passion


Antes das férias, o Cinéfilo Preguiçoso termina o mês de Julho em grande, com o filme A Quiet Passion, de Terence Davies (2016), visto em DVD, sobre a vida da poeta americana Emily Dickinson (1830-1886). Não se trata bem de um biopic. Davies não tem como objectivo principal a biografia propriamente dita, mas sim retratar o pensamento e as ideias da escritora em face de um tempo em que nunca consegue integrar-se. Para tal, Davies explora o contraste entre Dickinson e outras figuras femininas – a mãe, a tia, a amiga, a irmã, a cunhada –, não hesitando em colocar lado a lado personagens que na realidade nunca se conheceram (facto que tem causado alguma celeuma desinteressante). Uma das grandes surpresas e trunfos do filme é este contraste revelar uma Emily Dickinson insatisfeita, descontente, infeliz, revoltada, irónica e insolente, ainda que com muito sentido de humor. Esperaríamos antes a imagem tradicional da escritora tímida e sossegada que se tornou conhecida por raramente sair de casa. Em vez disso, temos uma figura muito semelhante a certas personagens das irmãs Brontë – referência forte neste filme –, sempre sincera e aguerrida, pensando livremente e dizendo o que lhe vai na alma, sem qualquer preocupação com as conveniências. A dada altura, a irmã faz-lhe a seguinte repreensão: “Não penses que és Jane Eyre!” Davies filma com enorme sobriedade e sem grandes preocupações naturalistas, privilegiando os planos frontais. Um dos grandes momentos do filme é o da sessão fotográfica da família em que assistimos aos efeitos da passagem do tempo sobre as personagens fotografadas. Como em Paterson, os poemas ocupam um lugar importante, mas, ao contrário do que se verifica no filme de Jarmusch, em A Quiet Passion não há ligação ilustrativa directa entre textos, acção e imagens. Em Paterson, a poesia emergia das rotinas do protagonista, no filme de Terence Davies deriva claramente das aventuras mentais da escritora, muitas vezes filmada a escrever a partir das três da manhã, para não sofrer interrupções nem distracções. Se quisermos, por outras palavras, em Paterson a literatura é feita de vida; em A Quiet Passion a vida é feita de literatura. São de salientar ainda a omnipresença da música, que nos remete para o sublime Distant Voices, Still Lives (1988), primeira longa-metragem do realizador, e as interpretações de Jennifer Ehle no papel de Lavinia, irmã de Emily, e de Cynthia Nixon – esta verdadeiramente soberba – no papel principal. Ehle tinha-se tornado conhecida graças ao papel de Elizabeth Bennet numa adaptação televisiva de Pride and Prejudice (1995); Nixon é sobejamente conhecida dos fãs da série Sex and the City.

O Cinéfilo Preguiçoso regressará em Setembro e deseja aos seus fiéis leitores umas boas férias.