Antes das
férias, o Cinéfilo Preguiçoso termina o mês de Julho em grande, com o filme A Quiet Passion, de Terence Davies
(2016), visto em DVD, sobre a vida da poeta americana Emily Dickinson
(1830-1886). Não se trata bem de um biopic.
Davies não tem como objectivo principal a biografia propriamente dita, mas sim
retratar o pensamento e as ideias da escritora em face de um tempo em que nunca
consegue integrar-se. Para tal, Davies explora o contraste entre Dickinson e
outras figuras femininas – a mãe, a tia, a amiga, a irmã, a cunhada –, não
hesitando em colocar lado a lado personagens que na realidade nunca se
conheceram (facto que tem causado alguma celeuma desinteressante). Uma das
grandes surpresas e trunfos do filme é este contraste revelar uma Emily Dickinson
insatisfeita, descontente, infeliz, revoltada, irónica e insolente, ainda que
com muito sentido de humor. Esperaríamos antes a imagem tradicional da
escritora tímida e sossegada que se tornou conhecida por raramente sair de
casa. Em vez disso, temos uma figura muito semelhante a certas personagens das
irmãs Brontë – referência forte neste filme –, sempre sincera e aguerrida,
pensando livremente e dizendo o que lhe vai na alma, sem qualquer preocupação
com as conveniências. A dada altura, a irmã faz-lhe a seguinte repreensão: “Não
penses que és Jane Eyre!” Davies filma com enorme sobriedade e sem grandes
preocupações naturalistas, privilegiando os planos frontais. Um dos grandes
momentos do filme é o da sessão fotográfica da família em que assistimos aos
efeitos da passagem do tempo sobre as personagens fotografadas. Como em Paterson, os poemas ocupam
um lugar importante, mas, ao contrário do que se verifica no filme de Jarmusch,
em A Quiet Passion não há ligação
ilustrativa directa entre textos, acção e imagens. Em Paterson, a poesia emergia das rotinas do protagonista, no filme de
Terence Davies deriva claramente das aventuras mentais da escritora, muitas
vezes filmada a escrever a partir das três da manhã, para não sofrer
interrupções nem distracções. Se quisermos, por outras palavras, em Paterson a literatura é feita de vida; em A Quiet Passion a vida é feita de literatura. São de salientar ainda a omnipresença da música,
que nos remete para o sublime Distant
Voices, Still Lives (1988), primeira longa-metragem do realizador, e as
interpretações de Jennifer Ehle no papel de Lavinia, irmã de Emily, e de
Cynthia Nixon – esta verdadeiramente soberba – no papel principal. Ehle
tinha-se tornado conhecida graças ao papel de Elizabeth Bennet numa adaptação
televisiva de Pride and Prejudice
(1995); Nixon é sobejamente conhecida dos fãs da série Sex and the City.
O Cinéfilo Preguiçoso regressará em Setembro e deseja aos seus fiéis leitores umas boas férias.
O Cinéfilo Preguiçoso regressará em Setembro e deseja aos seus fiéis leitores umas boas férias.