1 de setembro de 2024

A Torre sem Sombra

O que terá levado a que o mais recente filme da já longa carreira do realizador chinês Zhang Lu tenha merecido honras de estreia em Portugal? A presença na secção competitiva do Festival de Berlim de 2023 poderá ter ajudado. Qualquer que seja a explicação, os cinéfilos devem congratular-se com esta pequena janela aberta para o território pouco conhecido do cinema chinês contemporâneo, porque A Torre sem Sombra (2023) tem diversos motivos de interesse. A personagem principal é Wentong, um crítico gastronómico recém-divorciado que tem uma filha que vive com a irmã e o cunhado. O encontro com uma jovem fotógrafa e a informação que recebe sobre o paradeiro do pai, que se afastara da família depois de cumprir pena num campo de reeducação, trazem alguma agitação a uma vida que parece estagnada. A Torre sem Sombra trata de temas muito comuns em cinema e literatura: as relações intergeracionais, a dificuldade em estabelecer e manter vínculos emocionais, o desenraizamento (tema recorrente em Zhang Lu, que tem ascendência coreana e realizou vários filmes na Coreia). A narrativa é algo fragmentada e abundante em transições intrigantes que por vezes nos levam a duvidar da realidade do que estamos a ver, sobretudo atendendo às numerosas referências a sonhos que as personagens fazem. Será que o reencontro entre Wentong e o pai ocorre realmente? O que significa a impressionante cena final, em que o pai aparece sentado no lugar onde estava o filho, antes do travelling que nos mostra o imponente pagode budista cuja sombra, segundo reza a lenda, está no Tibete? O espectador sai da sala sem certezas sobre o que realmente aconteceu, mas com a noção de que algo mudou na vida de Wentong. Pouco importa se esse “algo” teve que ver com os factos da vida ou simplesmente com uma noção mais nítida da sua relação com os próximos e do seu lugar na metrópole onde vive (uma Pequim filmada de forma tão discreta que parece uma cidadezinha de província). A Torre sem Sombra combina, como poucos filmes vistos recentemente, uma sobriedade de registo com uma intensidade emocional impressionante. Vale a pena, sem dúvida, estarmos atentos às surpresas que o calendário de estreias nos oferece!