28 de julho de 2024

The Meyerowitz Stories (New and Selected)

Na última publicação do mês de Julho de 2023, o Cinéfilo Preguiçoso escreveu sobre A Lula e a Baleia (Noah Baumbach, 2005), um filme sobre uma família em desagregação, na perspectiva dos filhos. Por uma questão de simetria, na última publicação do mês de Julho de 2024, decidiu escrever sobre um filme de Baumbach que ainda não tinha visto, por só estar disponível na Netflix. Estreado em 2017, The Meyerowitz Stories (New and Selected) tem personagens muito semelhantes às do filme de 2005: um pai egocêntrico (Harold/Dustin Hoffman, professor reformado e escultor obscuro, com vários divórcios), que ostenta uma superioridade intelectual que o reconhecimento público não confirma; e filhos disfuncionais – neste caso, três (Danny/Adam Sandler, Jean/Elizabeth Marvel e Matthew/Ben Stiller) –, que tentam recuperar dos efeitos nefastos da influência do progenitor, sem conseguirem plenamente. Encontramos dinâmicas familiares próximas em filmes como The Royal Tenenbaums (Wes Anderson, 2001) e Golden Exits (Alex Ross Perry, 2017). Podemos dizer que se Baumbach fizesse um filme com as personagens de A Lula e Baleia na idade adulta, a história não seria muito diferente, embora em The Meyerowitz Stories haja uma distinção mais marcada entre os filhos que ficaram com a mãe depois de um divórcio e o meio-irmão destes, que nasceu de um casamento posterior. As imperfeições e as fraquezas das personagens continuam a ser impiedosamente exploradas, nomeadamente em momentos de comédia física (correrias, pancadaria, destruição de um carro), mas em The Meyerowitz Stories há mais equilíbrio entre a tristeza e o ressentimento, por um lado, e a necessidade de amar e perdoar. As personagens não são só egoístas; captamos, acima de tudo, a humanidade delas. Neste aspecto, destaca-se o desempenho de Adam Sandler, no papel de um músico falhado que nunca acreditou em si mesmo, mas é capaz de um vasto espectro de emoções, da alegria ao sofrimento, da exasperação ao perdão. Baumbach contou que, depois de ver A Lula e a Baleia, Mike Nichols comentou com ele: “Este filme lembrou-me a razão pela qual comecei a fazer cinema: o desejo de vingança.” O realizador de The Meyerowitz Stories, no entanto, já ultrapassou essa fase. A estrutura do filme tem inspiração literária, dividindo-se em secções, como uma antologia de textos previamente publicados em revistas diferentes. Enquanto procurava um caminho para entrar no filme, Baumbach lembrou-se do livro The Maples Stories, de John Updike, um volume que reúne contos que acompanham uma família ao longo do tempo, até à sua desintegração. Composta por Randy Newman ao piano, a banda sonora de The Meyerowitz Stories destaca-se pela subtileza e pelo sentido de humor, ajudando a identificar a atmosfera nova-iorquina sofisticada, mas pretensiosa, em que a acção decorre. Outro traço distintivo deste filme é a montagem, que por vezes impõe cortes em momentos que correspondem a picos de tensão, como se não fosse necessário continuar, por já todos sabermos como aquelas discussões vão acabar – sem nunca acabarem. Woody Allen continua a ser uma referência, mais uma vez citado de modo relativamente evidente, no monólogo de abertura de Danny, dentro do carro, a comentar os edifícios de Nova Iorque, como Sam Waterston em Hannah e as Suas Irmãs (1986). No capítulo hilariante em que encontramos as personagens no hospital, Baumbach explora o contraste entre a vulnerabilidade individual e a indiferença e impessoalidade desse estabelecimento, num dos momentos da sua obra em que há mais equilíbrio entre a comédia e o drama. Estas cenas passadas no hospital em redor do pai, internado e inconsciente, mostram como o tratamento oblíquo, quase negligente, do pathos o pode tornar ainda mais intenso do que uma abordagem com grande sentimentalismo e gravidade. The Meyerowitz Stories consolida a capacidade deste realizador de partir do pessoal (a história da sua família, a vida em Nova Iorque) para fazer um filme que demonstra que há comédia mesmo nos momentos mais difíceis da vida e que o cinema pode ser um instrumento para assimilar tudo isto.

O Cinéfilo Preguiçoso regressa em Setembro. Boas férias para todos.

Outros filmes de Noah Baumbach no Cinéfilo Preguiçoso: Ruído Branco (2022); Marriage Story (2019); Mistress America (2015); Enquanto Somos Jovens (2014).