30 de junho de 2019

I've Always Loved You | Yoshiwara


Esta semana, no ciclo da Cinemateca dedicado ao melodrama, passaram dois filmes raramente exibidos em sala de dois realizadores muito apreciados pelo Cinéfilo Preguiçoso: Max Ophüls e Frank Borzage. Uma das características mais interessantes dos melhores melodramas cinematográficos é não propriamente a desmesura dos sentimentos representados, mas sim a sofisticação e o requinte com que estes são encenados, suscitando no espectador uma certa incredulidade perante a coragem com que se desafia os limites do «bom gosto» por meio de todos os exageros imagináveis – sem o filme se desequilibrar. Um bom exemplo é a cena do funeral de Annie Johnson no filme Imitação da Vida de Douglas Sirk (1959), uma sequência que deixa o espectador completamente atordoado com a saturação de cores, sons, emoções e movimentos, sem perceber como esta não causa algum distanciamento céptico. Baseado num conto de Borden Chase sobre a relação entre um mestre de piano e uma discípula tão talentosa que o ultrapassa, o filme I’ve Always Loved You, de Frank Borzage (1948), aposta nesta saturação sensorial e emotiva, num contexto luxuoso e requintado. Depois de um espectáculo em que a discípula toca o segundo concerto para piano de Rachmaninoff, o mestre decide afastar-se dela, com a consequência de ambos ficarem bloqueados do ponto de vista criativo durante vários anos, até se reencontrarem. Apesar de a intriga avançar com um ritmo relativamente lento, acompanhando o casamento da protagonista e o interesse da filha desta por piano, os últimos minutos do filme são vertiginosos. A rapidez e o carácter inesperado dos acontecimentos que se desenrolam no mesmo palco do Carnegie Hall onde antes teve lugar o confronto de talentos entre mestre e discípula faz com que o espectador duvide dos próprios olhos e da sua capacidade de compreensão do que está a acontecer. O filme de Max Ophüls foi Yoshiwara (1937), sobre um triângulo amoroso em Tóquio, entre um oficial russo envolvido numa intriga de espionagem, uma mulher que se vê obrigada a trabalhar num bordel de luxo do bairro de prostituição para saldar uma dívida de família e um condutor de riquexó com talento para o desenho. Nem a intriga nem as personagens são dotadas da mesma sofisticação psicológica e narrativa dos melhores filmes de Ophüls. A sofisticação expressa-se sobretudo nos movimentos de câmara e nos cenários: o bordel, um jardim cheio de sombras e fumos e uma estranha capela russa. Uma das sequências mais comentadas do filme (e frequentemente comparada com uma cena famosa de Carta de Uma Desconhecida, filme realizado por Ophüls em 1948) é aquela em que o oficial russo e o protagonista encenam eles próprios um futuro impossível em que simulam jantar, viajar de trenó através da neve e assistir a uma ópera. Yoshiwara pode ser visto como um filme sobre a encenação. Podemos dizer o mesmo não só sobre Sans Lendemain (1939), onde a personagem de Edwige Feuillère engana o ex-amante com um cenário opulento para esconder a sua situação, mas também sobre outros filmes de Ophüls: recorde-se a máscara do velho galante em Le Plaisir (1952) e, naturalmente, Lola Montès (1959), onde a intenção de iludir um público com uma versão distorcida da realidade é elevada a um expoente supremo.