É conhecida a inclinação de Jim Jarmusch para revisitar subgéneros cinematográficos, abordando-os com um misto de distanciamento e afecto cinéfilo. Foi assim, por exemplo, em Ghost Dog (1999) e em Only Lovers Left Alive (2013), que recorrem, respectivamente, a atmosferas e convenções dos filmes de artes marciais/máfia e de vampiros, mas onde o cunho pessoal do realizador é evidente. Em Os Mortos Não Morrem (2019), essa tendência volta a manifestar-se. O enredo decorre numa pequena cidade norte-americana onde uma sucessão de fenómenos estranhos que parecem associados ao fim do mundo culmina numa invasão de zombies. As personagens, tipicamente jarmuschianas (um pouco perdidas e ultrapassadas pelos acontecimentos, lacónicas e passivas), fazem o que podem para enfrentar os mortos-vivos, com as armas que têm à mão e alguns ensinamentos provenientes da cultura popular (“Matar a cabeça é a única maneira de aniquilar um zombie”). O filme resume-se a pouco mais do que uma sucessão de encontros sanguinolentos entre os cidadãos e as criaturas ressuscitadas. O elenco é vasto – e esse é um dos problemas principais de Os Mortos Não Morrem, que por vezes parece um repositório de amigalhaços de Jarmusch, cada um evocando o filme ou os filmes deste realizador em que participou e impondo um tom de piada privada que se torna irritante. Devemos, sem dúvida, estar gratos por ver no ecrã actores do calibre de Tilda Swinton, Bill Murray e Adam Driver, mas convém que o seu talento seja devidamente aproveitado, o que está longe de ser o caso aqui – e eis o segundo, e principal, problema do filme: as personagens são frouxas e caricaturais, o que contribui para que raramente se escape à superficialidade e à inconsequência. As tentativas de injectar alguma crítica social ou política, com referências ao fracking e ao consumismo, são desgarradas e carentes de convicção. (Compare-se com Nós: apesar das reservas que o Cinéfilo Preguiçoso exprimiu, trata-se de um filme que recorre ao sobrenatural e às convenções de um género para fazer uma crítica social poderosa.) Fica-se com a impressão de que Jarmusch achou que a simples intenção de juntar um filme de zombies ao seu portefólio e a presença de colaboradores talentosos chegaria para fazer um bom filme, mas convém que haja pelo menos um esboço de argumento. No passado, este realizador propôs-nos obras esparsas e com tendência para a deriva narrativa, como Os Limites do Controlo (2009) ou Dead Man (1995), mas estes filmes tinham uma coerência estética e conceptual de que não se encontra vestígios em Os Mortos Não Morrem. O Cinéfilo Preguiçoso espera que Os Mortos Não Morrem seja apenas um efeito de ressaca depois do sublime Paterson (2016) e que a este divertimento pouco conseguido se siga um filme mais consistente e estimulante na filmografia de Jarmusch.