7 de julho de 2019

Suspiria


É sabido que os anos 70 foram um tempo de excessos e desmesura, nas artes e não só. Mesmo tendo em conta o zeitgeist da época, o filme Suspiria (1977), de Dario Argento, sobressai tanto pela extravagância visual e sonora como pelo ritmo frenético e delirante. A história, baseada remotamente nos escritos de Thomas De Quincey, e envolvendo uma aspirante a bailarina norte-americana (Jessica Harper), uma escola de dança na Alemanha, actividades de bruxaria e numerosos homicídios sanguinolentos, presta-se a leituras simbólicas e iniciáticas, bem como a comparações com o imaginário dos contos populares. Contudo, embora o filme remeta diversas vezes para estas tradições e associações, de forma mais ou menos assumida, não depende de qualquer estrutura narrativa ou simbólica para ser apreciado. Suspiria é essencialmente um filme sobre o medo, sobretudo o medo do oculto e do desconhecido. O carácter inverosímil do enredo, à beira do ridículo, confere a este medo uma natureza quase abstracta. Grande parte da eficácia do filme deve-se à estilização dos cenários e ao trabalho com a luz e o som: as cores primárias, vivas e opressivas, assim como os efeitos sonoros e a música (rock progressivo com tendências Bernard Herrmann) contribuem para transmitir uma impressão de alienação, ansiedade e confinamento, num ambiente dotado de leis e perigos próprios. Apesar de tudo isto, o filme não cai demasiadas vezes no desconchavo e revela muita disciplina e rigor na gestão das peripécias, nos enquadramentos (com notável exploração da profundidade de campo) e na montagem: nas mãos de um realizador menos hábil, seria difícil não se cair na palhaçada total. Dois bons exemplos são as sequências inicial e final, situadas em cenários completamente diferentes (o aeroporto de Frankfurt, seguido de um exterior tempestuoso; as salas secretas na escola de dança), e representando os pontos extremos do percurso da protagonista: da vulnerabilidade e ignorância até ao conhecimento e bravura que lhe permitem levar de vencida o consórcio de bruxos. O elenco merece referência especial: além de Harper (que também vimos – num papel bem menos interessante – em O Fantasma do Paraíso, de 1974, um filme ainda mais bizarro e excessivo do que este), encontramos Alida Valli, Udo Kier, um jovem Miguel Bosé (antes da fama mundial como cançonetista) e a extraordinária Joan Bennett, mais de trinta anos depois de ter sido objecto do fascínio de Edward G. Robinson em The Woman in the Window (1944) e Scarlet Street (1945). O Cinéfilo Preguiçoso não viu o recente remake de Suspiria realizado por Luca Guadagnino, mas não deixará de partilhar as suas impressões, caso venha a fazê-lo. 

Sobre Suspiria (Luca Guadagnino, 2018).