4 de junho de 2017

Paterson


Devido aos sucessivos adiamentos da data de estreia em Portugal de Paterson (Jim Jarmusch, 2016), o Cinéfilo Preguiçoso já tinha comprado o DVD do filme há mais de um mês. Porém, por se tratar de um dos seus realizadores preferidos, e com receio de ter expectativas exageradas, só agora concretizou o visionamento. Afinal, apesar de Paterson vir sendo descrito como «grande filme», não corresponde a esse estereótipo. Em vez de um «grande filme» temos, muito melhor, uma pequena maravilha. O filme segue a estrutura de uma semana do casal de protagonistas (Adam Driver e Golshifteh Farahani) e do seu animal de estimação, o buldogue Marvin (interpretado pela cadela Nellie, merecidamente premiada com o Palm Dog Award no Festival de Cannes de 2016). O título do filme é simultaneamente 1) um topónimo, que identifica a cidade do estado de New Jersey onde a acção decorre; 2) um antropónimo, que nomeia o protagonista; 3) e o título de um poema longo de William Carlos Williams, poeta que também viveu nessa cidade. Como outros filmes de Jarmusch, Paterson gera um certo desconforto até nos habituarmos, por um lado, à estrutura formal repetitiva e às rotinas das personagens, e, por outro, ao que de inesperado e fantástico este quotidiano pode conter. Neste filme, um poeta não é um ser excepcional que aparece nos jornais e na televisão irradiando literatura, mas sim um condutor de autocarros cujos poemas nunca ninguém leu e que nem sequer faz cópias do caderno onde os escreve. A famosa citação «no ideas but in things», de William Carlos Williams, tem aqui todo o cabimento. A poesia está imersa nas circunstâncias: o percurso entre casa e emprego, o intervalo do almoço, a conversa com um colega de trabalho antes de o percurso diário ter início, as palavras dos passageiros do autocarro, os pares de gémeos que vão aparecendo, alguns encontros imprevistos com personagens que transmitem informação importante, o passeio com o cão à noite, a cave onde o protagonista escreve, rodeado dos livros dos poetas preferidos. Até as interrupções, quando se escreve um poema, fazem parte da poesia. Já nos interrogámos muitas vezes, perante outros filmes de Jarmusch, sobre o que poderão estar a pensar as suas personagens mais enigmáticas. Em Paterson, as palavras dos poemas (da autoria de Ron Padgett) que vão surgindo no ecrã e no caderno do protagonista dão-nos uma resposta. A cena final é típica de Jarmusch: profunda e tocante apesar do tom minimalista e banal. A personagem do turista japonês poderia ter saído de Mystery Train (1989), The Limits of Control (2009), ou, em boa verdade, de qualquer outro filme de Jarmusch, um realizador com uma obra repleta de rimas internas que, tal como este filme, se caracteriza por uma discreta harmonia de temas e de meios.