27 de outubro de 2019

Um Dia de Chuva em Nova Iorque


Em Um Dia de Chuva em Nova Iorque (2019), Woody Allen filma novamente um enredo na sua cidade natal, o que não acontecia desde Whatever Works (2009). A cidade desempenha um papel fundamental neste filme. A acção desenrola-se ao longo de um dia e acompanha a estadia em Manhattan de um casal de jovens universitários, Gatsby (Timothée Chalamet) e Ashleigh (Elle Fanning), para que esta possa entrevistar um cineasta famoso. Ao longo desse dia, quase sempre sob chuva, os dois jovens atravessam separadamente uma série de aventuras e encontros que são fruto do acaso mas parecem também condicionados ou facilitados pela geografia urbana nova-iorquina. Fica-se com a sensação de estarmos perante um parêntesis temporal onde a verosimilhança se suspende, abrindo espaço para episódios destinados a confrontar as personagens com as suas ambiguidades sentimentais e a forçá-las a fazerem uma escolha. Neste aspecto, Um Dia de Chuva em Nova Iorque faz lembrar Eyes Wide Shut (1999), de Kubrick, ou Sorrisos de Uma Noite de Verão (1955), de Bergman. O percurso de Gatsby, entre reminiscências e revelações, é congruente com o apego sentimental a Nova Iorque que Allen tem mostrado ao longo da sua obra: a decisão final da personagem tem muito a ver com uma afinidade física, moral e até meteorológica com a cidade. Na parte final do filme, ocorre uma incursão por territórios mais amargos que parece destoar do tom semicómico e ligeiro que Allen imprime ao filme. Será, porém, a confissão da mãe sobre o seu passado de call girl, tão contrastante com o sucesso social e financeiro de que goza no presente, a dar o impulso decisivo a Gastby para decidir regressar a Nova Iorque, oferecendo ao filme o seu corolário natural. A aproximação a Shannon (Selena Gomez), irmã de uma antiga namorada com quem se cruza graças a mais um acaso pouco verosímil, surge mais como símbolo desse regresso do que como uma linha narrativa dotada de valor próprio. Um Dia de Chuva em Nova Iorque é um belo filme, onde os momentos sombrios emergem da matriz de humor verbal e do slapstick ligeiro típico de Allen e onde o seguidor fiel da filmografia deste realizador não deixará de assinalar ecos pontuais dos seus temas e obsessões: por exemplo, as cenas passadas no museu, a aversão pela vulgaridade e pelo snobismo, o gosto pelos filmes e músicas de gerações passadas, a ansiedade e o risco de catástrofe sentimental inerentes à existência numa grande cidade, a certeza de que a vida seria cem vezes pior noutro lugar. 

Outros filmes de Woody Allen no Cinéfilo Preguiçoso: Broadway Danny Rose (1984); Irrational Man (2015); Café Society (2016); Roda Gigante (2017).