O
Cinéfilo Preguiçoso não leva o zelo ao ponto de escolher os destinos turísticos
de acordo com os filmes que quer ver, mas por vezes é bafejado pela sorte. Foi
assim que, neste Verão, não hesitou ao saber que o novo filme de Woody Allen,
Irrational Man (2015), ia ser exibido numa sala de aspecto simpático mas
vagamente antiquado, nas Galerias Reais, bem no centro de Bruxelas, onde foi
recebido por um funcionário de bilheteira entusiasta. Anualmente, a estreia de um novo Woody é
acolhida pelo inevitável cortejo de sentenças e interrogações: estará o filme à
altura das suas obras anteriores? Se é certo que obras-primas como Annie Hall
(1977), Manhattan (1979) ou Hannah and Her Sisters (1986) parecem difíceis
de repetir, a discussão pontual sobre a qualidade de cada filme desvia as
atenções da perspectiva global sobre a obra de Woody Allen. Quarenta e seis
anos depois de Take the Money and Run, a sua filmografia surge como uma
admirável contínuo de temas, obsessões e personagens, movido por um impulso de
cinema onde cabem o profissionalismo e a paixão. (É refrescante o contraste com
realizadores que ficam dez ou quinze anos à espera do sopro da inspiração ou
das condições de produção ideais.) Sobre Irrational Man, que fique dito:
Joaquin Phoenix domina o filme, como sempre; o tema (envolvendo moral, mal-entendidos
filosóficos, uma escolha e um homicídio) remete claramente para Match Point
(2005); é delicioso o pormenor de a personagem de Emma Stone ser salva pelo seu
espírito prático e pela pequena lanterna que escolheu numa tômbola, em vez de
um objecto mais vistoso; não, não é um filme genial, mas a falta de génio de
Woody Allen é muito mais estimulante do que grande parte do cinema hoje em dia.